Diamantino Antunes, missionário da Consolata e bispo de Tete, em Moçambique, realizou um trabalho de investigação que deu lugar a ‘Mártires de Chapotera’, um livro com cerca de 170 páginas, recentemente publicado pela Consolata Editora, com a biografia e um breve álbum fotográfico de dois sacerdotes que receberam formação na Companhia de Jesus – João de Deus, moçambicano, e Sílvio Moreira, português. Ambos estiveram em missão em Moçambique, onde foram assassinados, há 38 anos, no contexto da guerra civil naquele país, que decorreu entre 1976 e 1992, envolvendo “violência, raptos, morte e destruição”, como descreve a obra agora publicada.

O bispo de Tete escreve no livro que o padre Sílvio “era testemunha de muitas injustiças praticadas pelos militares e forças de segurança”. “Não estava calado perante o mal e denunciava-o abertamente. A ousadia sem medo e o sentido de justiça eram virtudes inatas nele. Já tinha recebido ameaças de morte por denúncias públicas que tinha feito de assassinatos”. Diamantino Antunes adianta que “entre julho e outubro de 1985, os últimos meses da sua vida, o padre Sílvio enviou cinco relatórios, um em cada mês, para a Comissão Episcopal de Justiça e Paz, denunciando os abusos dos direitos humanos, roubos, assassinatos, massacres verificados na Angónia, na sua maioria perpetrados pelas forças militares”.

Segundo o prelado, os dias que antecederam a morte dos missionários “foram de grande violência”. “Houve eliminação física de pessoas que se julgavam colaboradoras da guerrilha. Os missionários pressentiam o perigo e sabiam que também eles poderiam ser vítimas da violência da guerra ou de vingança. Estavam entre dois fogos, porque eram testemunhas incómodas do mal que grassava e dos atentados aos direitos humanos. Sabiam que eram vigiados e a sua presença naquele lugar era indesejada e vista com suspeita por parte das autoridades civis e, sobretudo, militares.” Os missionários foram assassinados em Chapotera, a 30 de outubro de 1985, e sepultados dia 4 de novembro, no cemitério da Vila Ulonguè.

Papa pode reconhecer santidade dos missionários

A diocese de Tete iniciou um processo de canonização – que diz respeito ao ato de atribuir o estatuto de santo – de João de Deus e Sílvio Moreira. O Papa poderá um dia reconhecer publicamente a santidade destes missionários. Depois de no passado mês de agosto ter sido dada como encerrada a fase diocesana do processo de canonização, em Moçambique, está agora em curso a segunda e última fase do processo, em Itália.

Em declarações à FÁTIMA MISSIONÁRIA, o bispo de Tete explicou que os dois missionários assassinados ainda “estão muito presentes na memória e no coração da população”. “A sua fama de martírio é viva e espontânea entre aqueles que os conheceram em vida. São considerados bons pastores, repletos de amor a Deus e próximos dos seus irmãos que, vivendo o dinamismo das bem-aventuranças, chegaram até ao dom da sua própria vida, de modo violento, selando com o seu próprio sangue o Evangelho que anunciavam”.

Diamantino Antunes afirma qua a desejada beatificação e canonização dos missionários “é um sinal da maturidade da Igreja Católica em Moçambique”. “Ontem como hoje, a Igreja Católica é chamada a responder com a sua presença efetiva e consoladora entre a população martirizada, nunca cessando de lançar apelos à paz e à reconciliação das partes em conflito”, refere.

Tal como na altura em que os dois missionários foram assassinados, ainda hoje, em Moçambique, as pessoas fogem da violência. “A situação preocupa-nos muito. A violência que assola atualmente o norte de Moçambique, na província de Cabo Delgado, já fez os seus mártires entre a comunidade católica. Há pessoas mortas nesta guerra que são autênticos mártires da paz, foram mortos porque recusaram a lógica da guerra e da intolerância. O exemplo dos mártires de Chapotera, que optaram por uma vida de testemunho e anúncio do evangelho da paz e do amor, permanece e multiplica-se”, afirma o prelado.