Os participantes na COP30 dividem-se entre a frustração e a esperança. Foto © Kiara Worth

Há dois anos, no Dubai, a Cimeira do Clima concluiu que era preciso uma transição energética que se afastasse do recurso aos combustíveis fósseis, mas a cimeira de Belém, a COP30, terminou no domingo 23 de novembro com um estrondoso silêncio sobre os combustíveis fósseis. Um “terrível fracasso”, exclamam ativistas do clima. Reconhecendo o fracasso, outros chamam a atenção para a criação de um mecanismo de transição justa que inclui critérios protetores dos direitos dos trabalhadores, da mulher, dos povos indígenas, dos negros e de minorias vulneráveis.

Fracasso? Sem dúvida! Leia-se o que a Amnistia Internacional afirma no seu comunicado divulgado no dia 24 de novembro: “A COP30 não permitiu consensualizar planos concretos para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis e o fim da desflorestação, nem sobre um aumento do apoio [financeiro] para os países de menor rendimento”. Ao contrário das expectativas, “o documento final evitou qualquer menção aos combustíveis fósseis, o principal motor das alterações climáticas, nem conseguiu desenvolver, ou tão só reafirmar, o compromisso de ‘transição’ dos combustíveis fósseis acordado na COP28 [Dubai 2023]”.

“Sim, definitivamente, a Cimeira de Belém é um recuo em relação à COP28, no que dia respeito aos combustíveis fósseis”, admite ao 7MARGENS o cientista brasileiro Vinícius Ferreira da Paixão, professor visitante no Campion Hall, da Universidade de Oxford, onde também coordena a Escola de Verão de Ecologia Integral (IESS).

Mas isso não é tudo.

Vinícius revela que saiu de Belém do Pará com sentimentos contraditórios: “frustrado” com a ausência de qualquer menção aos combustíveis fósseis; “encantado” com “o progresso da ciência de qualidade em todos os domínios relacionados com as alterações climáticas, desde os mares aos polos gelados”; “feliz” com o facto de “as metas globais de adaptação passarem a incluir métricas humanas”; e ainda “orgulhoso e contente” com “a presença da sociedade civil em força, sobretudo as comunidades indígenas”, elas que conseguiram fazer mexer os critérios de medição da transição energética justa.

O cientista brasileiro, que é também animador do movimento Laudato si’, aponta como fonte de esperança muitos dos relatos que teve oportunidade de conhecer durante a Cimeira de Belém e que mostram, alguns com “dados científicos poderosos”, que é possível combater as alterações climáticas.

A Cimeira do negacionismo?

Nenhum destes aspetos é valorizado por Genevieve Guenther, diretora fundadora da organização End Climate Silence no texto de opinião que assina em The Guardian de dia 24 de novembro. Contrariando a afirmação de Simon Stiell, secretário executivo para as alterações climáticas da ONU, de que “a COP30 mostrou que a cooperação climática está viva e forte, mantendo a humanidade na luta por um planeta habitável”, Guenther escreve: “Sejamos claros: a Cimeira foi um fracasso. O texto final, conhecido como Mutirão Global ou Esforço Coletivo Global, é, na sua essência, uma peça de negacionismo climático”.

Para ela, “parece claro que os petroestados, liderados pela Rússia e pela Arábia Saudita, lutaram contra a eliminação gradual dos combustíveis fósseis e venceram” e lembra: “Em 2023, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) revelou que o mundo já havia explorado, ou planeava explorar, combustíveis fósseis em quantidade excessiva para ser capaz de manter o aquecimento global em mais 2°C. Apontou para que ativos em combustíveis fósseis tinham de ser abandonados e não utilizados – se quiséssemos limitar o aumento do aquecimento global a 2°C. Mas o texto de decisão da COP30 ignora tudo isso. Aliás, nem sequer menciona os combustíveis fósseis”.

Enquanto Vinícius valoriza a vitória dos movimentos e organizações da sociedade civil visível na introdução das “métricas humanas” nas metas globais de adaptação, incluindo aí as questões de género (“as mulheres e outros grupos sociais são muito mais profundamente vítimas das alterações climáticas”), Guenther insiste: “no dia 21 de novembro, o número de países que apoiava o roteiro para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis subiu para 89. No entanto, qualquer menção a ele desapareceu da segunda versão preliminar divulgada no mesmo dia. Graças à COP30, a era dos combustíveis fósseis simplesmente continuará.”

Para além do prolongamento do reinado do mundo do carvão, da gasolina, fuel e gasóleo, a Amnistia Internacional sublinha outro “desastre”: “O financiamento climático é uma obrigação dos países de rendimentos elevados que os países de rendimentos mais baixos vêm exigindo há anos, especialmente para obter muito mais apoio que os ajude a adaptarem-se aos impactos devastadores atuais e futuros das alterações climáticas, pelos quais não são responsáveis.” Essas necessidades de financiamento estão estimadas em mais de 260 mil milhões de euros por ano.

Em Belém, ficou prometido que o financiamento global para adaptação às alterações climáticas será triplicado, chegando a 120 mil milhões de dólares. Mas o ano para cumprir essa promessa escorregou de 2030 para 2035. “A adaptação não pode esperar, especialmente porque o financiamento para os países em desenvolvimento está a diminuir enquanto os impactos climáticos se aceleram”, comentou, a este propósito, a presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell.

Outra das grandes apostas do Presidente Lula, o Fundo de Florestas Tropicais destinado a financiar a preservação ambiental em países tropicais, não reuniu mais de 6,5 mil milhões de euros de doações e compromissos. Muito menos do que o desejado.

Por fim, entre as vozes críticas, Ann Harrison, consultora de justiça climática da Amnistia Internacional, sublinhou que “a falta de negociações participativas, inclusivas e transparentes deixou, tanto a sociedade civil como os povos indígenas, que responderam em grande número ao apelo global do mutirão, fora do processo real de tomada de decisões”. É facto, mas a sua presença em grande número em Belém do Pará não foi irrelevante: os direitos dos povos indígenas figuram pela primeira vez nos documentos oficiais de uma Cimeira do Clima como referência para avaliar da justiça da transição energética em cada país e no mundo.

Texto redigido por Jorge Wemans/jornal 7Margens, ao abrigo da parceria com a Fátima Missionária.