“O encontro teve lugar em Bacu, no Azerbaijão, um dos maiores produtores de energias fósseis, isto é, carvão, petróleo e gás, considerados os principais causadores de emissões que provocam as alterações climáticas e que alimentam a maior parte do consumo global de energia.” Foto COP29

O acordo sobre financiamento climático que resultou da 29ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP29) foi aprovado no último domingo, 24 de novembro. O encontro, que teve início a 11 de novembro, prolongou-se para lá da data oficial de encerramento, prevista para sexta-feira, 22, devido a impasses em relação ao acordo de financiamento. A conferência teve como propósito dar continuidade aos debates sobre alterações climáticas, definir estratégias para superar a crise do clima e chegar a um acordo sobre o financiamento atribuído por países desenvolvidos aos países em desenvolvimento, para que estes possam enfrentar os efeitos das alterações climáticas.

O encontro teve lugar em Bacu, no Azerbaijão, um dos maiores produtores de energias fósseis, isto é, carvão, petróleo e gás, considerados os principais causadores de emissões que provocam as alterações climáticas e que alimentam a maior parte do consumo global de energia. Lídia Pereira, representante do Parlamento Europeu na COP 29, sublinhou algumas das tensões envolvidas. “A dificuldade foi também, muitas vezes, causada pela própria presidência do Azerbaijão, que, numa tentativa de gerir os equilíbrios, também com os produtores de combustíveis fósseis, nem sempre esteve do lado da solução”, disse a responsável, em declarações ao ‘Jornal 2’.

A conferência sobre o clima aprovou um financiamento anual de 300 mil milhões de dólares (287 mil milhões de euros, ao câmbio atual) a atribuir pelos Estados mais ricos aos países em desenvolvimento até 2035, para que estes possam superar as consequências das alterações climáticas, como as ondas de calor, secas e inundações. O acordo aumenta o compromisso financeiro em vigor, que é de 100 mil milhões de dólares (95 mil milhões de euros) por ano. O novo acordo fica um bilião de euros aquém do valor pretendido pelos países mais pobres, os mais expostos às alterações climáticas. A deceção com as negociações levou parte dos países africanos e pequenos estados insulares a abandonarem a sala de negociações antes do acordo ser aprovado.

Entre as responsabilidades dos países mais pobres está o uso de energias com baixas emissões de carbono no seu desenvolvimento. No Estádio Olímpico de Bacu, onde decorreu a cimeira, os participantes demonstraram o seu descontentamento. Nkiruka Maduekwe, da delegação da Nigéria, lamentou o resultado. “Os países desenvolvidos dizem que vão doar 300 mil milhões de dólares até 2035. É ridículo. E não devemos aceitar de ânimo leve. Não devemos permitir que batam palmas e nos forcem a aceitar. Não me parece. Acho que devemos repensar.”

Os países doadores consideram que contribuíram para um resultado histórico. Portugal congratula-se com o acordo, mas a União Europeia deseja uma maior redução das emissões poluentes. Wopke Hoekstra, Comissário Europeu de Ação Climática, refere que apesar do acordo, não se esperam melhorias num futuro próximo. “Vivemos tempos geopolíticos verdadeiramente desafiantes e não devemos ter a ilusão que tudo vai melhorar em breve. É excecional firmarmos um acordo.”

Igreja lamenta efeitos para os mais pobres

A FIMCAP, uma organização internacional de associações de jovens católicos, esteve representada na cimeira com uma delegação de membros de associações juvenis de África, Ásia e Europa, entre os quais Fidelis Stehle, de 24 anos, chefe da delegação da Associação da Juventude. “A decisão é também um sinal fatal para os jovens que lutam pela solidariedade, pela justiça climática e pelo seu futuro. Como jovem católico, é chocante ver como as pessoas e a Criação vão sofrer por causa dos jogos geopolíticos e da falta de responsabilidade de Estados mais ricos como a Alemanha, que não cumprem realmente a sua dívida climática”, lamentou.

Gerardo Alminaza, bispo e vice-presidente da Cáritas Filipinas, considera que nas negociações existe uma falha ética. “A COP29 falhou em honrar seus compromissos com o financiamento climático, deixando as nações mais vulneráveis ​​para suportar o peso de uma crise que elas não criaram. Essa negligência não é meramente um descuido político, mas uma falha moral profunda”, realçou o prelado.

A cimeira do clima contou com a participação de várias religiosas. Margaret Lacson, da sociedade de vida apostólica Maryknoll, manifestou a sua tristeza. “Não gosto da ideia de ‘implorar’ dinheiro da parte  daqueles que são mais afetados pelas mudanças climáticas aos que são responsáveis ​​por causá-las”, acrescentou. “Gosto da atitude de alguns indígenas que dizem: ‘Isso não é caridade, isso é apenas o que nos é devido.’, referiu a irmã.

Por causa do foco no financiamento, a cimeira do clima tem sido apelidada como a ‘COP financeira’. Neste contexto, o arcebispo Julio Murray Thompson, da Comunhão Anglicana na América Central, explicou que os países desenvolvidos foram “desafiados a triplicar o financiamento necessário para enfrentar a crise climática”, mas que não se trata “apenas de fornecer financiamento para mitigação e adaptação” para as alterações climáticas. “Também precisamos de lidar com perdas e danos não económicos, como a perda de património cultural, dignidade e os impactos psicológicos do deslocamento. Essas são perdas que o dinheiro sozinho não pode reparar, mas que devem ser priorizadas nas negociações”, indicou Julio Thompson.

COP29 ‘esquece’ resultado da COP28?

A ‘ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável’ sediada em Lisboa, esteve representada na COP29 através da participação de Francisco Ferreira, presidente da organização, e de Susana Militão, gestora de projetos na área das alterações climáticas. Através do seu website, a associação demonstra a sua deceção. “Os interesses dos combustíveis fósseis tiveram uma forte influência na COP29, com uma pressão evidente para preservar os lucros exorbitantes do petróleo e do gás, refletida no resultado final, que deixou muito a desejar. A Arábia Saudita, por exemplo, recorreu a táticas de coerção para enfraquecer o consenso alcançado no ano passado no Dubai sobre a eliminação gradual dos combustíveis fósseis e, segundo relatos, pode ter interferido no texto oficial das negociações. Além disso, os Estados Unidos, e outros países cuja prosperidade está vinculada a economias baseadas em combustíveis fósseis, não se comprometeram a fornecer recursos suficientes para ajudar as nações de baixos rendimentos na transição para fontes de energia limpa. Mais uma vez, os países mais vulneráveis são deixados a pagar o preço dos impactos das alterações climáticas, enquanto os países desenvolvidos se esquivam às suas obrigações.”

Também a ‘Oikos – Cooperação e Desenvolvimento’, uma Organização Não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD), fundada em Portugal em 1988, publicou no seu site uma nota onde apresenta o seu desalento. “Não é de estranhar a revolta nas intervenções dos delegados de vários países em desenvolvimento, como a Nigéria, a Bolívia ou as Maldivas, nas últimas horas da COP29. É que, mais uma vez, aqueles que mais precisam de apoio, aqueles que mais sofrem com o impacto das alterações climáticas e que, paradoxalmente, são aqueles que menos contribuíram para a desregulação do clima do planeta, são justamente aqueles a quem é pedido um esforço proporcionalmente maior para nos salvar a todos. Também é importante referir que parece haver um claro enfraquecimento de vários pontos que tinham sido considerados como resultados positivos COP28. Por exemplo, não há referências ao abandono progressivo dos combustíveis fósseis e o Fundo de Perdas e Danos continua a não estar verdadeiramente operacionalizado. Estes esquecimentos ajudam a aumentar a incerteza com que os países em desenvolvimento olham para os resultados da COP29.”

COP30 já está no horizonte

Depois das três últimas cimeiras do clima se terem realizado em países como o Egito, Dubai e Azerbaijão, a COP30 terá lugar na cidade de Belém, na Amazónia brasileira, durante o décimo aniversário da encíclica do Papa Francisco ‘Laudato Si’’, dedicada ao cuidado da Casa Comum. Vários representantes católicos esperam que o aniversário da ‘Laudato Si’’ e o panorama amazónico possam contribuir para compromissos mais substanciais para a redução das emissões e para o aumento do financiamento, sobretudo por parte dos países ricos.

Enquanto no Azerbaijão se realizava a COP29, no Brasil decorreu, de 18 a 19 de novembro, a conferência do G20, durante a qual foi notícia a campanha “Taxe os super-ricos”. No âmbito desta ação, “as igrejas têm pedido impostos sobre a riqueza e poluição em diferentes níveis para mobilizar recursos para acabar com a pobreza e responder à emergência climática”, explicou Jerry Pillay, secretário-geral do Conselho Mundial de Igrejas, que aderiu a esta campanha.

A inclusão social e o combate à fome e à pobreza, desenvolvimento sustentável, transições energéticas e ação climática e a reforma das instituições de governação global, foram consagradas na declaração dos líderes do G20. As menções aos vários conflitos regionais e ao imposto sobre multimilionários foram apenas alvo de breves referências. Jerry Pillay afirma que “um imposto anual sobre a riqueza dos multimilionários e bilionários do mundo de apenas cinco por cento” seria “suficiente para acabar com a fome no mundo através de um plano de ação de dez anos, tirar dois mil milhões de pessoas da pobreza, financiar assistência médica universal e proteção social para todos que vivem em países de baixos rendimentos e fornecer financiamento climático e reparações de perdas e danos para apoiar países pobres e vulneráveis ​​ao clima”.