Numa das suas primeiras alocuções públicas, para justificar a razão da escolha do nome de Leão XIV para o seu pontificado, Robert Francis Prevost afirmou: Hoje “a Igreja oferece a todos a riqueza da sua doutrina social para responder a outra revolução industrial e aos desenvolvimentos da Inteligência Artificial (IA), que trazem novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho”. Com estas declarações, o Papa recolocou o tema do trabalho e da tecnologia no centro da agenda da Igreja, evocando, 130 anos depois, a publicação da encíclica ‘Rerum Novarum’ de Leão XIII, sobre a condição dos operários.
Calcula-se que entre 50 a 70 por cento dos postos de trabalho poderão desaparecer ou ser substituídos por outras formas de emprego, na próxima década, devido à IA. Um recente estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos estima que cerca de 29 por cento dos postos de trabalho em Portugal estão, a breve prazo, em risco de extinção. Bill Gates, fundador da Microsoft, uma das maiores companhias de computadores e de informática do mundo, numa das suas muitas referências à IA, considera que nos preparamos para enfrentar uma transformação não apenas nas formas de trabalho como do próprio sistema capitalista. Nas sociedades em que o trabalho escasseia, estas não têm de ser necessariamente más notícias. Porém, o desenvolvimento da IA ameaça não apenas substituir o trabalho como mudar a sua forma de ser e de pensar, determinando a sua autonomia e, talvez nalguns casos, a sua natureza. As consequências das mudanças em curso no trabalho podem ajudar-nos a pensar o que está em causa. Com efeito, o trabalho esteve sempre presente nas revoluções técnicas, económicas, sociais e políticas da história da humanidade.
Que pessoas, que sociedade?
Percebendo o impacto que as condições do trabalho estavam a ter no seu tempo, Leão XIII escreveu a encíclica
‘Rerum Novarum’, em 1891, numa altura de plena convulsão social gerada pela primeira grande crise da Revolução Industrial. Mais recentemente, no seu ciclo de catequeses que dedicou a São José, o Papa Francisco recordou a importância do emprego para a dignidade das pessoas e para a sua realização e reconhecimento sociais. Se o desemprego tem consequências incontornáveis na economia, ele não tem efeitos menos devastadores nas pessoas, ao ponto de muitas se sentirem esmagadas “por um fardo insuportável” e “perderem toda a esperança e desejo de vida” – recordou o Papa Francisco.
A humanidade enfrenta, pois, incontornáveis desafios com o desenvolvimento da IA. A curto prazo vai ter de pensar em novos modelos de redistribuição de riqueza, num contexto em que o trabalho é substituído pelas máquinas. Numa humanidade habituada a perceber a realização de cada ser humano a partir da sua relação com o trabalho, será também necessário repensar a dignidade dos sujeitos num contexto de ócio. Finalmente, a presença e a convivência das máquinas em processos determinantes de formação e educação dos indivíduos não deixará de levantar a questão sobre os valores, a autodeterminação e a natureza do ser humano.