José Ornelas (centro), presidente da Conferência Episcopal | Foto © António Marujo/7Margens

A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) decidiu por unanimidade criar um fundo para “compensações financeiras” às vítimas de abusos sexuais na Igreja Católica, que terá o contributo de todas as dioceses e pretende responder a todos os pedidos que apareçam. As compensações serão decididas caso a caso por uma comissão que está a ser criada pela CEP e que incluirá psicólogos, juristas, psiquiatras e especialistas de várias áreas. De qualquer modo, ainda não foi desta que ficou tudo resolvido e só em Junho serão definidos critérios, normas e modos de pôr este mecanismo em prática.

Conhecida a oposição de alguns bispos à ideia de que a Igreja assumisse qualquer tipo de reparação, esta decisão significa que a lentidão do processo se ficará a dever também a essa recusa. Mas agora há pelo menos a assunção de uma resposta de conjunto àquilo que desde há um ano se vem falando como resposta aos pelo menos 4815 casos de crianças abusadas nos últimos 70 anos, a partir dos 512 testemunhos recolhidos pela Comissão Independente.

Esta decisão traduz “a disponibilidade da CEP para responder aos pedidos que foram feitos” até agora, afirmou o presidente da Conferência e bispo de Leiria-Fátima, José Ornelas. Neste momento, há 19 pessoas que já manifestaram o desejo de serem compensadas financeiramente pelos crimes de que foram vítimas. Não há um montante definido nem para o fundo – ficou no ar a ideia de que cada diocese contribuirá consoante as suas possibilidades – nem para as compensações, que serão decididas tendo em conta o caso de cada pessoa.

O fundo será “administrado sempre em ligação com as vítimas” que, aliás, já estão a ter um papel na definição dos critérios, garantiu o presidente da CEP. E se uma vítima não concordar com o valor estabelecido, haverá possibilidade de voltar a conversar com o Grupo Vita, as comissões diocesanas e a própria Conferência Episcopal – que, em última instância pode dirimir a questão. A comissão que será constituída funcionará como uma “assessoria para um gesto que a Conferência Episcopal quer fazer”, acrescentou.

“Estas decisões inserem-se no caminho percorrido na Igreja em Portugal”, lê-se no comunicado dos bispos. “Em comunhão com o sofrimento das vítimas, os bispos portugueses reafirmam o total compromisso de tudo fazer para a sua reparação e manifestam o desejo de que este processo de acolhimento, acompanhamento e prevenção seja um contributo para a atuação da sociedade em geral neste tema.”

Abusadores também são pessoas

Sobre o carácter das compensações, o bispo Ornelas acrescentou que a hierarquia católica entende que a Igreja deve aparecer institucionalmente de forma supletiva. “Quem tem o dever de indemnizar são as pessoas com responsabilidade” pelos factos. O facto de os bispos constituírem este fundo “significa alargar o âmbito” das compensações para pessoas que foram vítimas de agressores que eventualmente já não estejam vivos e em casos que já prescreveram. Se assim não fosse, “grande parte das reparações, sob o ponto de vista jurídico, estariam de fora e grande parte destes casos estariam prescritos”. Por isso é que, entende José Ornelas, este processo pretende “ampliar o conceito a contextos onde ele não se aplicaria” e falar de indemnizações seria uma visão “restritiva”.

De acordo com o texto final da reunião, os pedidos de compensação deverão ser apresentados ao Grupo Vita ou às comissões diocesanas de protecção de menores entre Junho e Dezembro deste ano; posteriormente, a comissão de avaliação “determinará os montantes das compensações a atribuir”. Ainda está por clarificar, entretanto, quando é que as compensações começarão a ser pagas e o que acontecerá exactamente a quem aparecer apenas depois daquele prazo, embora o presidente da CEP garanta que as compensações podem ser pedidas depois daquele prazo. De qualquer modo, o bispo José Ornelas considera que não há razões para que o ressarcimento das vítimas seja demorado.

O bispo Ornelas respondeu ainda a uma pergunta sobre o apoio aos abusadores, defendendo que estes também “são pessoas” e que devem ser tratados. A propósito, acrescentou que o trabalho que a Igreja Católica fez a este nível deve também ser exemplo para a sociedade portuguesa no seu conjunto. “O país precisa de pensar” no tema dos abusos sexuais “seriamente”, afirmou.

Texto publicado ao abrigo da parceria da revista FÁTIMA MISSIONÁRIA com o jornal digital 7Margens.