Da América Latina ao Sudeste Asiático e Ásia do Sul, passando pela Europa, Médio Oriente ou África, não há parte do planeta que não esteja ansiosa pelas eleições nos EUA, afinal habituámo-nos a pensar no presidente americano como o homem mais poderoso do mundo. E é evidente para todos os oito mil milhões de habitantes da terra que o cenário mais provável de acontecer a 5 de novembro será uma repetição do duelo de 2020, com o republicano Donald Trump a tentar o regresso à Casa Branca, vingando-se do democrata Joe Biden. Mais incerto é o nome do vencedor, sendo que Trump e Biden estão em desacordo em quase tudo, não só a nível interno, como também na política externa, com o primeiro a ser visto como isolacionista, e crítico até da NATO, enquanto o segundo tem-se mostrado alinhado com o atlantismo tradicional do país desde o fim da Segunda Guerra Mundial e é favorável a um envolvimento dos EUA nos assuntos globais, como se vê nas guerras Ucrânia-Rússia e Israel-Hamas.

Mas se o mundo olha com muita atenção para as eleições nos EUA, também os Estados Unidos deveriam olhar com atenção para as eleições em alguns países, pelo impacto que podem ter nas suas regiões e como estas se relacionam com a superpotência. E o site americano Huffington Post até elencou no início de 2024 o nome de dez países (mais a União Europeia como um todo): Taiwan, que foi já a votos a 13 de janeiro, Paquistão, que votou a 8 de fevereiro, Portugal (10 de março), Rússia (15-17 de março), Índia (abril-maio), África do Sul (entre maio e agosto), México (2 de junho), União Europeia (6-9 de junho), Mongólia (28 de junho), Venezuela (segunda metade do ano) e Reino Unido (provavelmente novembro).

A escolha do Hunffigton Post é questionável, pois vai da curiosidade de o México poder vir a ter pela primeira vez uma mulher na presidência, até à incerteza sobre se será o PS ou o PSD (via coligação com CDS e PPM) a vencer as legislativas portuguesas e até onde poderá ir a votação do Chega, mas inclui também eleições de alto significado geopolítico, como as presidenciais taiwanesas, as presidenciais russas, as legislativas paquistanesas e indianas e ainda as eleições para o parlamento europeu. Vejamos uma a uma estas últimas:

No caso das presidenciais taiwanesas, que foram as primeiras eleições importantes de 2024, o resultado é já conhecido, pois o vice-presidente William Lai venceu e assim o DPP, partido pró-independência, continuará a liderar a ilha que a China considera uma província rebelde. Apesar de desde 1979 os EUA reconhecerem as autoridades de Pequim e não as de Taipé, e de também apoiarem a política de uma só China, existe um pacto de defesa com Taiwan caso haja uma tentativa de reunificação pela força. Em sucessivos discursos, o presidente Xi Jinping já alertou a liderança taiwanesa contra uma declaração de independência, e a grande incógnita agora é se o novo presidente Lai se mantém fiel ao status quo que vigora desde o fim da guerra civil chinesa de 1949, quando os nacionalistas chineses do KMT, de Chiang Kai-shek, se refugiaram na ilha, depois de derrotados pelos comunistas de Mao Tsé-tung. Formalmente, existem a República Popular da China e a República da China, ambas reivindicando soberania sobre o todo, mas nas últimas décadas cresceu muito o sentimento de identidade taiwanês. Para os EUA, que sentem grande simpatia pela democracia que ganhou raízes em Taiwan desde a década de 1990, o ideal seria Lai manter-se dentro dos limites da antecessora, Tsai Ing-wen, que nunca ousou avançar com a independência. Um possível confronto militar com a China é tudo menos desejável, dada a incerteza do resultado final, até para os taiwaneses, e a certeza do grande dano à ordem internacional, com a economia global a ser afetada terrivelmente, ela que já está prejudicada pelas guerras na Ucrânia e no Médio Oriente, que afetam um sistema comercial baseado na globalização, mas em risco pelas sanções a produtos vários e pelas rotas marítimas ameaçadas.

Quanto às eleições na Rússia, em que se espera a reeleição claríssima de Vladimir Putin, valem sobretudo pelas ilações que se poderão tirar do nível de participação, pois se for bastante abaixo do de 2018 talvez mostre uma crescente falta de apoio popular à guerra na Ucrânia, país vizinho que o presidente mandou invadir em 2022 e que continua a resistir. Moscovo, especula-se, está determinada a esperar pelas eleições americanas, e uma eventual vitória de Trump, para forçar a negociações as autoridades de Kiev, então já sem apoio ocidental.

Já as eleições no Paquistão e na Índia, além das questões internas que trazem (o ex-primeiro-ministro Imran Khan é o político paquistanês mais popular mas não pode ser candidato, enquanto o primeiro-ministro Narendra Modi, graças ao sucesso da economia, é favorito a uma terceira vitória), importam muito por ambos os países serem potências nucleares e, portanto, a sua estabilidade ser fulcral para os EUA e o mundo. O caso indiano ainda é mais especial, pois Modi tem vindo a aproximar-se da América, mesmo não desistindo da vocação diplomática indiana de tentar ser uma ponte entre blocos opostos.

As eleições para o Parlamento Europeu, que decorrem nos 27 Estados-membros, terão como principal incógnita os resultados da direita populista, pois a ascensão desta poderá fragilizar as lideranças nacionais em França e na Alemanha, o eixo Paris-Berlim que conduz a União Europeia. Para os EUA, pelo menos na lógica de uma presidência de Biden, o ideal seria os parlamentares europeus continuarem a ser esmagadoramente dos campos social-democrata (como o chanceler alemão Olaf Scholz), liberal (como o presidente francês Emmanuel Macron) ou democrata-cristão (como a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen). Não esquecer ainda que alguns partidos populistas se sentem atraídos pela Rússia.
Num artigo logo a abrir janeiro, o diário Le Monde pôs o título “2024, um ano eleitoral recorde”, sublinhando que mais de quatro mil milhões de pessoas, metade da humanidade, iam a votos, fosse para chefes do Estado ou de governo, fosse para parlamentos e municípios. O jornal francês alertava que algumas dessas eleições não seriam totalmente livres. De qualquer forma, acrescentava que ao haver eleições várias em 68 países, era um número nunca antes visto desde que o sufrágio internacional foi instituído em 1792, na sequência da Revolução Francesa de 1789. Nessa época, só os homens, porém, foram autorizados a votar, tendo um século depois, em 1893, a Nova Zelândia sido o primeiro país no mundo a reconhecer o direito de voto também a todas as mulheres adultas.

Este número de países a votos pode até aumentar, pois não é de excluir algumas eleições antecipadas. De qualquer forma, não se trata apenas de um recorde importante pelo número de países ou até pelo número de votantes total, muito inflacionado pela Índia, a chamada maior democracia do mundo, agora também o país mais populoso do mundo, com 1400 milhões de habitantes. É que entre os países a votos estão oito dos dez mais populosos: Índia, EUA, Indonésia, Brasil, Paquistão, Bangladesh, Rússia e México (de fora, só a China, que não organiza eleições), e a Nigéria, que teve presidenciais e legislativas no ano passado.

Texto: Leonídio Paulo Ferreira, jornalista do DN