Clima de instabilidade gerou confrontos nas ruas. Em meados de fevereiro, contavam-se mais de 60 mortos | Foto: LUSA

A mais recente crise política no Peru tem revelado um país à beira da ingovernabilidade. A crise em que o país caiu, depois da detenção do antigo presidente da República, Pedro Castillo, em dezembro, sucedeu a 17 meses de instabilidade política, marcados por cinco governos, cerca de 80 ministros, vários inquéritos por corrupção e três tentativas de destituição por parte do Congresso.

O conflito peruano revela um país dividido entre uma população urbana que tem por referência a capital, Lima, e uma população ameríndia, rural e pobre, das comunidades, das montanhas dos Andes e do sul do país, bem como um contexto de tensão política e social propícia para ser explorada por oportunismos políticos e autoritários.

Pedro Castillo foi eleito, em 2021, por uma margem de apenas 50 mil votos em relação a Keiko Fujimori, filha do antigo presidente do Peru, Alberto Fujimori, condenado por crimes de corrupção e violação dos direitos humanos. Face aos resultados eleitorais, os partidos de direita sentiram-se legitimados para criar um clima político de grande tensão, onde não faltaram discursos de ódio e racistas. A par da inabilidade do presidente, as elites peruanas nunca aceitaram que um professor, sindicalista, proveniente de uma aldeia dos Andes assumisse os destinos do país.

A 7 de dezembro, na terceira tentativa levada a cabo para destituir o presidente da República, Pedro Castillo tomou a decisão de dissolver o Congresso, tentando pôr termo ao que ele denominou por “ditadura do Congresso”. Considerada uma atitude inábil, devido ao seu isolamento político relativamente aos militares, ao poder político e judicial, três horas após a sua decisão Castillo foi detido quando já se preparava para se refugiar na Embaixada do México. Acusado de tentar executar um golpe de Estado ao anunciar a dissolução do Congresso e convocar novas eleições, Castillo é destituído, sendo nomeada para o seu lugar a vice-presidente, Dina Baluarte.

Divórcio entre a rua e o Congresso
A nova presidente da República, a primeira mulher a ocupar o cargo no Peru, começou por manifestar a sua intenção de concluir o mandato até 2026. No entanto, os manifestantes vieram para a rua chamando-a de “traidora” e o clima de instabilidade política rapidamente degenerou em brutalidade. Em meados de fevereiro, contavam-se já mais de seis dezenas de mortos, em resultado dos confrontos nas ruas.

Mesmo depois de Baluarte ter abandonado a sua intenção de permanecer no poder e pedido a realização de eleições, o poder político tem resistido em convocar novas eleições, uma vez que isso implicaria a perda do mandato de 130 parlamentares que não poderão ser reeleitos. Perante uma dissociação profunda entre o poder político e as manifestações na rua, o Peru vive numa situação de ingovernabilidade: em seis anos, passou por sete moções de censura, e conheceu seis presidentes da República.

Texto: Carlos Camponez