Todos os cristãos são “chamados a participar” na política e a resposta a esse chamamento passa por votar, mesmo “naquilo que não é perfeito”, defende um grupo de leigos católicos do patriarcado de Lisboa | Foto: DR

Há quem lhe chame “manifesto” e tenha querido assinar por baixo, outros reconheceram o seu valor, mas preferiram não se associar por discordarem de um ou mais dos seus pontos-chave. Falamos de “Oito Princípios e um Mandamento – Votar com Discernimento”: um texto que nasceu da reflexão de uma equipa de casais de Nossa Senhora, em Lisboa, a propósito das eleições deste domingo, dia 10 de março. O grupo de leigos católicos quis “ir mais além” e desafiar também outros cristãos a refletir sobre a importância de votar… e a não se demitirem da política. Por isso, ao longo dos últimos dias, esta proposta de reflexão foi divulgada online, partilhada nas redes sociais e distribuída à saída da missa em várias paróquias do patriarcado. E não ficará por aqui.

“O nosso primeiro objetivo com este texto foi chamar toda a gente a votar”, explica aquela que foi uma das principais mentoras da iniciativa, Ana Crespo de Carvalho, em declarações ao 7Margens. “Muitas vezes, dizemos que, entre as pessoas que conhecemos, toda a gente vota. Mas se tem havido sempre uma percentagem tão grande de abstencionistas é porque todos conhecemos, no nosso pequeno mundo, alguém que não vota… Portanto, o nosso primeiro objetivo é dizer-lhes: votem, votem, votem!”.

Recorrendo a citações dos quatro últimos Papas para reforçar a ideia de que todos são “chamados a participar” na política, o texto – cuja primeira base foi escrita por Ana e pelo marido e contou depois com o contributo dos restantes casais da equipa e de outros leigos católicos com quem o partilharam – assinala que a resposta a esse chamamento passa por votar, mesmo “naquilo que não é perfeito”.

Mas votar, no caso dos cristãos, implica ter em consideração alguns princípios, assinala o texto, nomeadamente que “não há um partido dos cristãos” e que é preciso: “defender o direito à vida, do primeiro momento em que ela se manifesta até ao último sopro de vida terrena”; assegurar “a preferência pelos pobres”; exigir a “honestidade fiscal”; lutar pela paz, sem “ceder à tentação de ir pelo caminho do apoio a políticas baseadas na força e no poder militar, quando ainda não se esgotaram alternativas para estimular a confiança e a proximidade entre os povos”; fugir à “tentação do culto pessoal”, pois “não há líderes messiânicos que resolvam todos os nossos problemas”; preocupar-se “com as pessoas e problemas concretos e o combate férreo às novas censuras”; e ainda “acolher bem quem chega a Portugal em busca de melhores condições de vida, como tantos portugueses fazem quando emigram para outros países”.

“A nossa intenção – esclarece Ana Crespo de Carvalho – não é influenciar o voto, nem facilitar o voto… Aliás, mais do que uma pessoa nos disse, depois de ler o texto, que sendo assim não podia votar em ninguém!”, refere a paroquiana de Telheiras. “O que quisemos foi espevitar as pessoas, confrontá-las com a dicotomia que existe entre o que nos é pedido enquanto cristãos e a nossa demissão da política… Até porque há pessoas contentes com esta demissão, por acharem que a política é uma coisa suja… e os jovens ainda mais: pelo que têm visto desde que nasceram, devem achar que a política é uma associação de malfeitores!”, acrescenta.

Mãe de três filhos com idades compreendidas entre os 25 e os 30 anos, Ana, de 59, sublinha que os mais jovens eram um dos principais públicos-alvo desta mensagem. “É muito importante que eles compreendam que, se não se envolverem, deixam um espaço vazio, e os espaços vazios são rapidamente ocupados, sobretudo na política, e a consequência disso é que os cristãos vão ficando progressivamente sem voz”.

Recordando que, já na sua geração, a maioria dos cristãos não se envolveu tanto na política como as gerações anteriores, esta consultora fiscal de profissão considera que a consequência é “grave”. “Apesar de haver cristãos em todos os partidos, é nítido que essas vozes estão cada vez menos audíveis”, lamenta.

Defende, por isso, que este texto nascido de um encontro da sua equipa de casais possa ser “o princípio de um caminho de renovação deste tipo de mensagens, que fazem apelo à coragem e à missão dos cristãos na defesa daquilo que é o melhor que pode nortear a política: a Doutrina Social da Igreja”.

E reconhecendo que ele “não é perfeito” e que lhe faltam alguns elementos (como por exemplo a referência à importância do cuidado da Casa Comum), assegura: “este manifesto terá naturalmente um seguimento, tentaremos fazer um desenvolvimento disto… vamos ver em que sentido. Porque há mais eleições e há mais política depois do dia dez de março. E nós, como cristãos, não podemos continuar a demitir-nos”.

Apelos ao voto, pelos vulneráveis e contra os populismos

O manifesto deste grupo surge numa campanha eleitoral que, seguramente, foi uma das – ou mesmo aquela que – mais textos de intervenção viu surgir, da parte de instituições e grupos cristãos de diferentes matizes. Como elemento comum, todos apelavam ao voto. Conforme o 7Margens foi noticiando, a Conferência Episcopal Portuguesa publicou uma nota, em 20 de fevereiro, em que chamava a atenção para a responsabilidade “acrescida” dos cristãos, que devem “participar na vida política e na edificação da comunidade” sempre “à luz do Evangelho e da Doutrina Social da Igreja”.

No dia seguinte, a Aliança Evangélica Portuguesa veio reafirmar a sua neutralidade, tendo em conta algumas notícias que têm surgido a tentar “colar” os evangélicos a uma corrente determinada; mais dois dias e outra instituição católica, a Comissão Nacional Justiça e Paz, sublinhava que “este é o tempo propício para desenhar soluções e abrir caminhos com visão de longo prazo que coloquem o bem comum e a dignidade da pessoa humana no centro das preocupações, olhando com particular atenção para os mais vulneráveis”.

O Conselho Português de Igrejas Cristãs (que reúne metodistas, presbiterianos e anglicanos) lembrou, no dia 26, que o voto é uma “forma de participação cívica e de salvaguarda das conquistas e desenvolvimentos alcançados ao longo de 50 anos de democracia”, aludindo ao 50.º aniversário do 25 de Abril que este ano se assinala, e acrescentando a rejeição de “discursos políticos autoritários e a manipulação falsa de notícias e factos, que visam a desinformação e o ocultamento da verdade e da transparência que deve reger a informação e o debate de ideias e projetos sociais”.

Finalmente, no dia 28, a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Braga considerava imperativo “que se comece a configurar uma reforma do sistema político”, de modo a que a política corresponda “ao desafio de merecer a confiança dos cidadãos”, para que o “descontentamento dos eleitores em relação aos eleitos” não seja capitalizado por “‘populistas’ ou por outras manifestações de rejeição da política”.

Texto redigido 7Margens, ao abrigo da parceria com a Fátima Missionária