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Os 30 anos de Ricardo Pais foram sempre vividos num contacto muito próximo com a população. Deu aulas de música, ingressou nos bombeiros voluntários de Odivelas, mas tinha ânsia de mais. “Senti que podia fazer mais e a vontade era muita. Então decidi, em 2013, participar na formação de uma ONGD – a Equipa d’África – uma organização com um caráter cristão, com um dos objetivos de formar e capacitar jovens para uma experiência missionária e para a vida. Fui em algumas missões tanto em Portugal como em África por períodos de um mês e meio”, recorda.

Assim, em 2014, Ricardo esteve em missão em Vale d’Água, no Alentejo, em 2015, em Lichinga, Moçambique, em 2016, na Ilha do Príncipe, em São Tomé e Príncipe, em 2018 nos Açores, e em 2019 regressou novamente a Moçambique, desta vez para Massangulo. “Com estas experiências de missão tive oportunidade de conhecer e viver com os Missionários da Consolata no terreno. Conheci também toda uma realidade que não tinha ainda vivido, até que surgiu a vontade e a necessidade de arriscar um pouco mais e partir pelo menos meio ano para Moçambique”, conta o jovem, que cresceu na Póvoa de Santo Adrião, em Odivelas, e que em fevereiro deste ano regressou àquele país africano.

“A nova ida em missão deu-me oportunidade de conhecer muito melhor a cultura e algumas missões que não conhecia da Consolata, como por exemplo a missão de Vilankulos, em Inhambane. Este regresso a Massangulo foi bastante caloroso, cheio de emoções. Foi incrível voltar a ver os rostos e sorrisos que deixei há uns anos”, lembra o voluntário, fazendo depois referência ao trabalho que os missionários estão a realizar.

Superar a desflorestação
“Neste momento, a missão está a desenvolver dois projetos ligados à natureza e à própria comunidade. O nome de Massangulo vem da montanha daquela zona, que é uma fonte de riqueza para aquelas pessoas, pois foi de lá que os primeiros missionários começaram a captar água potável para consumo. Há toda uma estrutura que foi agora melhorada com um investimento da missão para benefício local. Portanto, uma fonte de vida inesgotável que permite saciar aquela comunidade”, destaca o jovem, apontando depois para um problema entre a população.

“Existe uma dificuldade que pode pôr em causa esta riqueza e este projeto que é a fonte de água da missão. Existe a necessidade da população cortar árvores para uso próprio, para construir casas ou mesmo para venda de carvão, o que se torna o sustento para muitas famílias, mas esta desflorestação exige uma mudança da mentalidade local para pensar mais no futuro. Infelizmente, muitas vezes o urgente coloca-se à frente do que é importante, e para estas pessoas o tentar sobreviver no presente vem primeiro do que pensar e questionar como será o futuro”, explica o voluntário, indicando de seguida uma ação que tem como propósito superar o problema e que se revela geradora de laços. “Deu-se início a um programa de reflorestação e limitação do uso de espaço para o abate de árvores, o que permite também dar algum trabalho a um pequeno grupo de pessoas da comunidade, não só comunidade cristã, mas também muçulmana, o que torna tudo mais bonito, um belo exemplo de viver em comunidade”, realça o jovem, que identifica uma outra situação a superar.

O álcool como fuga
“Outros problemas locais estão relacionados com o álcool. Ter um emprego é quase impossível e o que existe é precário. Apenas quem trabalha para o governo é que tem algum poder económico para sustentar a família. É então que o refúgio de muitos é o consumo de bebidas alcoólicas caseiras, o que leva a uma degradação de certos bairros e famílias inteiras”, lamenta o voluntário, que faz depois referência a mais uma das iniciativas dinamizadas pelos missionários.

A transformação da montanha
“Há ainda um projeto em curso, que teve início em 2019, e que consiste na transformação de uma parte da montanha, a que chamamos de ‘Monte cruz’. O padre João Nascimento, sacerdote missionário da Consolata, desenvolveu o ‘Monte cruz’ para transformar Massangulo num local de peregrinação, de culto, de contemplação da natureza. Um lugar que traz cada vez mais visitantes de diversas partes da província e mesmo do país. Foi criada a Igreja da Rocha, os jardins da água e das palmeiras, entre outros espaços introduzidos e aproveitados no contexto da natureza, baseados na encíclica do Papa Francisco ‘Laudato sí’. Apesar de encontrar diversas necessidades e dificuldades, este povo mostra toda uma magia de viver na simplicidade. Existe um contraste enorme entre a pobreza material e a riqueza de fé, algo que não deixa ninguém indiferente”, destaca.

Massangulo online
Outro fascínio de Ricardo levou-o a tirar um curso de fotografia e fotojornalismo, e a adquirir diversos equipamentos, incluindo um drone, que levou para a missão. O resultado são três vídeos que visam dar a conhecer a Missão de Massangulo, e que podem ser conhecidos no canal – Santuário de Nossa Senhora da Consolata – Massangulo – no youtube.

Balanço de 30 anos
Os 30 anos são um momento de balanço. “Felizmente, o meu percurso levou-me ao que estou a viver agora. O facto de ter sido professor de música e de ter sido bombeiro, permitiu-me conhecer diversas realidades. Permitiu-me estar em contacto com pessoas em momentos difíceis, e valorizar o ser humano pela sua essência. O facto de ter estado na Equipa d’África abriu-me os olhos a um mundo que não conhecia, que me fez  aproximar mais de Deus. Talvez Deus esteja a ser como um pai com uma criança num baloiço. Foi preciso dar um pequeno empurrão, para apanhar algum balanço, o suficiente para me lançar à vida”, compara o jovem.

Entrada no seminário
Depois de meio ano de missão em Moçambique, Ricardo decidiu dar um novo rumo à sua vida. “Neste momento, estou na Casa dos Missionários da Consolata em Águas Santas, uma comunidade com muita experiência de missão e de vida. Com um sentimento de família, de saber cuidar uns dos outros. Estou a frequentar o curso de Teologia na Universidade Católica do Porto”, conta. Em declarações à FÁTIMA MISSIONÁRIA, o jovem identifica a sua próxima meta.

Rumo ao sacerdócio
“Está no meu horizonte poder vir a ser sacerdote missionário da Consolata. Esta motivação foi aparecendo ao longo das experiências que fui vivendo, e pela forma como fui sendo tocado por Deus e por todas as comunidades que fui conhecendo. Julgo que é uma decisão que ninguém toma de ‘ânimo leve’. É uma decisão discernida e consciente. O próprio seminário é um caminho de procura e descoberta. Ao mesmo tempo, é um conforto poder saber que Deus nos fala de uma forma muito especial. Deus soube muito bem entrar na minha vida, sem avisar, tornando o meu coração sempre pronto para O receber. Estar nos bombeiros permitiu-me lidar com pessoas, a estar pronto para atender qualquer chamada. Assim foi. Foi a vez de atender a chamada de Deus”, afirma o seminarista.

Sonho para Moçambique
Apesar de estar em solo português, Ricardo não esquece as terras africanas. “Neste momento, um dos meus sonhos para Moçambique, é que existam as mesmas oportunidades que temos aqui na Europa, de acesso a um bom ensino, saúde e emprego. As oportunidades para estas pessoas se desenvolverem e crescerem são mínimas. Somos uns sortudos e muitas vezes não reconhecemos nem agradecemos”, lamenta o futuro missionário, que considera que todo o seu passado pode ter uma importância crucial naquilo que será o seu futuro. “A minha ocupação como professor e bombeiro estarão presentes numa vida missionária que permite ser um pouco de tudo. Portanto são valências bastante úteis para um futuro missionário”, afirma.

Além de Moçambique, a Consolata em África encontra-se também presente na Libéria, Guiné-Bissau, África do Sul, Eswatini, República Democrática do Congo, Costa do Marfim, Etiópia, Tanzânia, Quénia, Angola, Uganda, Marrocos e Madagáscar. Os primeiros missionários da Consolata em Moçambique chegaram à missão de São Pedro Claver de Miruru, na província de Tete, em 1926.

Texto: Juliana Batista