Santuário dedicado a Nossa Senhora nas montanhas, China, Maio-Junho 2014. Foto © ACN-Portugal

Na República Popular da China (RPC), crescem as restrições e imposições ao exercício das atividades das diferentes religiões, que o regime quer controlar e submeter àquilo que vem sendo designado por “sinização” (processo de assimilação à cultura chinesa e aos princípios ideológicos do Partido que governa o país).

Uma questão particularmente sensível é a do “registo oficial” requerido pelas autoridades chinesas a todos os padres e bispos, as quais invocam o Acordo de 2018 com a Santa Sé, o qual, no entanto, apesar de secreto, parece não exigir este requisito. A pressão torna-se cada vez mais premente, em particular nas províncias onde é ainda relevante o peso das comunidades cristãs subterrâneas ou clandestinas.

O registo implica a adesão à Associação Patriótica dos Católicos Chineses, ideologicamente influenciada e controlada pelo Partido Comunista Chinês. De facto, não se trata apenas de um ato formal ou de um “registo” administrativo, a avaliar pela análise pormenorizada que é feita por um padre clandestino, na agência noticiosa católica Asia News.

Ao inscrever-se cada clérigo passa a ter de participar em cursos políticos e conferências sobre os “valores fundamentais do socialismo”; é-lhe exigido que colabore na “sinização da religião” e na “remoção de cruzes, na exibição da bandeira nacional e na dessacralização” das decorações e da linguagem litúrgica da Igreja.

É verdade que ao “registar-se”, o clérigo adquire um estatuto de legitimidade. Porém, as obrigações contraídas pela entrada na Associação Patriótica acarretam “um compromisso com o poder político, gerando um sentimento de culpa por ‘traição à fé’, que se acumula ao longo do tempo”, refere a fonte da agência, cuja identidade não pode ser revelada.

Os presbíteros registados podem celebrar missas, pregar e administrar sacramentos nas igrejas aprovadas pelo governo, mas temas sensíveis como a autoridade papal, a Igreja universal, as perseguições religiosas e a situação da Igreja clandestina não podem ser abordadas nas homilias. Aliás, não é invulgar que as igrejas estejam equipadas com câmaras de vídeo e funcionários do governo podem “assistir ou mesmo intervir durante as homilias”.

Criar seminários para a formação do clero, organizar eventos, desenvolver a catequese, dar cursos de formação ou convidar leigos para desempenho de cargos pastorais requer autorização das autoridades.

Deste modo, entre perder a confiança dos fiéis e com ela o sentido do próprio ministério, e perder a confiança das autoridades e o risco de o registo, que deve ser frequentemente revisto, não ser renovado, a vida dos padres carateriza-se pelo “isolamento” e “cansaço mental”. Ou, no dizer da Asia News, um “calvário”.

Católicos impedidos de evocar a morte de Francisco

Este quadro afeta tanto padres como bispos, e a intromissão das autoridades na vida das igrejas, mesmo que ao abrigo de um Acordo, como aquele que a Santa Sé patrocinou em 2018, pode gerar situações extremas, como aquela que se verificou no recente período de sede vacante, gerada pela morte de do Papa Francisco. Segundo o direito canónico, num período desse tipo está vedada a nomeação de novos bispos. Pois na República Popular da China foi precisamente esse o período escolhido pelo regime para nomear dois novos bispos, um auxiliar em Shangai e outro, titular, em XianXiang,

Como refere o site especializado em temas religiosos na RPC Bitter Winter, “como sempre acontece, as assembleias de padres, freiras e leigos são convocadas e invariavelmente ‘confirmam’ as escolhas do PCC”. Nos dois casos tratou-se de dois zelosos fieis do regime de Pequim.

Uma outra situação recente das dificuldades da Igreja foi o impedimento que sentiram os católicos daquele país de evocarem a memória do Papa Francisco, após a sua morte, em 21 de abril. Poder-se-ia esperar que tendo o governo negociado o acordo com a Santa Sé, alguma celebração em memória do Papa envolvido nesse tratado não suscitasse dificuldades de maior. A notícia só foi recebida em 23 de abril, dia em que católicos de várias regiões estavam concentrados em Nanjing, para celebrar uma vitória do Partido oficial. E nem uma referência foi feita à morte de Francisco. A informação apareceu num órgão oficial, em duas linhas, ao fundo de um bloco de notícias, sem chamada na primeira página.

Texto redigido por 7Margens, ao abrigo da parceria com a Fátima Missionária.