Ocorre este ano a celebração do oitavo centenário da composição do ‘Cântico das Criaturas’, escrito por São Francisco de Assis com letra e música à maneira das laudes religiosas do século XII. Este texto encontra-se nos ‘Escritos de São Francisco’, no apartado dos ‘Louvores e orações’, e é depois contextualizado em vários relatos da vida do santo. Na primavera de 1225, Francisco de Assis estava gravemente doente e completamente cego, aos cuidados da irmã Clara, no Convento de São Damião, em Itália, quando compõe em ‘umbro’, uma língua vulgar falada pelo povo, o ‘Cântico das Criaturas’.
Afligido por muitas provações, recebeu de Deus a certeza de viver na terra, como se já fosse do céu. São Francisco, com um olhar de fé cheio de gratidão, contempla as maravilhas da criação e consegue ver nelas a presença do Criador que lhes dá origem. As criaturas são irmãos e irmãs, porque são obra e dom do mesmo Autor; elas formam o universo visível, a começar pela beleza dos corpos celestes: ‘o irmão e senhor Sol’, até ao ar, à água, ao fogo e à ‘irmã madre terra’. As criaturas louvam e agradecem a Deus Criador o seu existir. Francisco viria a morrer em outubro de 1226.
Celebrar como Igreja o oitavo centenário do ‘Cântico das Criaturas’ leva-nos a uma mudança radical na nossa relação com a criação, que consiste em substituir a posse, pelos cuidados da casa comum. Na verdade, cada um de nós deve responder a estas perguntas com sinceridade: Como quero viver a relação com as outras criaturas? Como um dominador que arroga para si mesmo o direito de fazer com elas o que quer? Como consumidor de recursos que vê neles uma oportunidade de aproveitar os mesmos? Ou como um irmão que para diante da criação, admira a sua beleza e cuida delas? Estamos perante um desafio antropológico e ecológico que determinará o nosso futuro, porque ele está interligado com o futuro da terra.
A atual crise ecológica revela-nos que o “ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto” (Laudato Sí 48). O ambiente humano e o ambiente natural são preservados e embelezados em conjunto. Cuidar da casa comum sem cuidar da casa interior, o nosso coração, não é o caminho certo: precisamos de uma conversão ecológica e integral ao mesmo tempo, porque “a crise ecológica é um apelo a uma profunda conversão interior” (Laudato Sí 217).
Francisco de Assis tinha também em vista o perdão e a paz. Na última estrofe que juntou ao ‘Cântico das Criaturas’ lembra-nos que só aqueles que têm um coração capaz de vencer a lógica do ódio e da vingança através do perdão podem tornar-se instrumentos de reconciliação e harmonia, profecia e fraternidade, como o próprio Francisco, que viveu “numa maravilhosa harmonia com Deus, com os outros e com a natureza” (Laudato Sí 10).
Frei Álvaro Silva, Ordem dos Frades Menores
Texto conjunto Missãopress