Dizem que “em equipa vencedora, não se mexe” e a máxima parece ter sido seguida pelo Papa Francisco, que à semelhança do que havia acontecido na primeira assembleia do Sínodo dos Bispos, voltou a encarregar o padre Timothy Radcliffe das meditações no retiro espiritual destinado aos 368 elementos que participarão na segunda sessão. A mensagem do dominicano inglês foi clara: é preciso dizer não aos narcisismos e aos medos, e dispor-se a ouvir com o coração aberto.
Apelando a uma “escuta paciente, imaginativa, inteligente”, Radcliffe pediu a todos os participantes que, nesta reta final do Sínodo, prestem particular atenção às perguntas dos outros “com respeito e sem medo”, porque só assim será possível encontrar “uma nova forma de viver no Espírito”.
“Chegamos a este Sínodo com muitas perguntas, por exemplo, sobre o papel das mulheres na Igreja. Essas são perguntas importantes. Mas elas não podem ser vistas apenas como perguntas sobre se algo será permitido ou recusado. Isso seria permanecer o mesmo tipo de Igreja”, ressalvou o pregador na primeira meditação da manhã desta segunda-feira, 30 de setembro.
O que é necessário trazer para o Sínodo, defendeu, são “as questões mais profundas nos nossos corações, questões desconcertantes que nos convidam a uma nova vida”, porque “se não tivermos perguntas, ou perguntas superficiais, a nossa fé está morta”.
Um grupo de “companheiros buscadores”… ou de “chatos”?
É também essencial que todos os participantes aprendam a dizer “nós” e consigam ver-se uns aos outros não como “representantes dos partidos da Igreja, aquele horrível cardeal conservador, aquela feminista assustadora”, mas como fratelli tutti, “companheiros buscadores, que estão feridos, mas alegres, porque “cada caminhante tem necessidade do outro”, incluindo daqueles que possam ter-se sentido excluídos até agora, como as mulheres, os teólogos e os párocos, exemplificou o padre dominicano, que na realidade são fundamentais, pois “sem eles, a Igreja não pode tornar-se verdadeiramente sinodal”.
O Sínodo, afirmou o religioso ao concluir a sua primeira meditação, “precisa de todos os caminhos para amar e buscar o Senhor, assim como nós precisamos dos buscadores do nosso tempo, mesmo que não partilhem a nossa fé”. Porque é abrindo-nos ao desejo de infinito do outro que poderemos “lançar o barco da missão”.
Missão essa que esteve no centro da segunda meditação, em que Radcliffe voltou a insistir na importância de perder o medo. E reconhecendo que, para quem não está “acostumado com este mundo do Vaticano, com os seus títulos grandiosos e roupas estranhas”, participar no Sínodo “pode ser intimidador”, o frade britânico colocou-se no lugar nos participantes: “Alguns de nós chegamos a esta Assembleia nervosos por não encontrarmos reconhecimento e aceitação. As nossas esperanças preciosas para a Igreja podem ser desprezadas. Podemos sentir-nos invisíveis”. Para depois perguntar, em jeito de desafio: “Ousamos falar e arriscar a rejeição?”. A resposta foi buscá-la a outro dominicano, Herbert McCabe, que dizia: “Se amas, serás ferido e até morto. Se não amas, já estás morto.” Ou seja: “Tornar-se vivo em Deus significa não ter medo de feridas”.
Radcliffe advertiu ainda que pode haver medos que advenham do “amor feroz pela Igreja”. Como “o medo de que ela seja prejudicada por reformas destrutivas que minam as tradições que amamos”, ou “o medo de que a Igreja não se torne o lar aberto que desejamos”.
“O nosso próprio amor pela Igreja, de maneiras completamente diferentes, pode trancar-nos dentro de um mundo estreito, olhando para os nossos umbigos eclesiásticos, observando os outros, prontos para detetar os seus desvios e denunciá-los”, alertou então o frade naquele que foi o primeiro de dois dias de retiro. “Claro, há mudanças pelas quais alguns de nós ansiamos, mas que isso não nos tranque dentro de nosso pequeno mundo eclesiástico. Seremos chatos! Deus revela-se nos topos das montanhas com horizontes ilimitados e fora do acampamento”, concluiu.
Esta terça-feira, 1 de outubro, são esperadas mais duas meditações de Timothy Radcliffe, num dia que terminará pelas 18h00 de Roma (menos uma em Lisboa) com uma novidade face à primeira sessão: uma celebração penitencial presidida pelo Papa, na qual dirigirá “em nome de todos os fiéis, um pedido de perdão a Deus e às irmãs e irmãos de toda a humanidade” por diversos pecados, entre eles os dos abusos, os pecados contra a paz ou contra a própria sinodalidade [ver 7MARGENS].
Quarta-feira, 2 de outubro, marca a abertura oficial do Sínodo, com uma missa na Praça de São Pedro às 9h30 italianas, e a primeira sessão de trabalho às 16h00, que começará com uma saudação do Papa Francisco.
Texto redigido por Clara Raimundo/jornal 7Margens, ao abrigo da parceria com a Fátima Missionária