Mulher junto a estrutura quebrada no Palácio do Planalto depois de apoiantes de Bolsonaro tomarem a Praça dos Três Poderes para invadir prédios do governo, em Brasília | Foto: LUSA

Cerca de dois anos depois dos acontecimentos em que os manifestantes ocuparam o Capitólio, em Washington, nos Estados Unidos da América, setores políticos apoiantes do ex-presidente Jair Bolsonaro realizaram, no passado dia 8 de janeiro, uma versão brasileira, na Praça dos Três Poderes. A unir os dois acontecimentos um facto politicamente relevante: políticos populistas que atiçam as massas populares para criarem instabilidade política e que depois se colocam ao fresco, como no jogo do toca-e-foge, refugiando-se no estrangeiro ou nas diferentes formas de imunidade conferida pelo seu poder e passado político.

Brasília e Washington criaram uma nova figura política de grande perigo para a democracia: a ideia de um “complotismo” político generalizado sempre que os resultados eleitorais não nos dão a desejada vitória. Esta abordagem inaugura, nas democracias, a figura do não reconhecimento dos resultados eleitorais como arma política e a ideia de que, se os factos não correspondem às expectativas é porque os factos se enganaram.

A ideia de que tudo o que na política não corresponde aos nossos desejos é porque está a ser objeto de manipulação representa o próprio fim do ideal da democracia, que assenta no compromisso, na confiança, no respeito pelo adversário e na alternância do poder. A perceção da política como complot é uma arma política de destruição da democracia. Representa a valorização dos sentimentos em detrimento da racionalidade, das convicções relativamente aos factos, da força em vez do compromisso e da manipulação com desprezo pela informação.

Restabelecer a confiança
Os media discutiram como deveriam qualificar os ocupantes da Praça dos Três Poderes em Brasília: se terroristas, se golpistas, se fascistas, se as três coisas. Será certamente difícil sustentar que estejamos perante um caso de golpe de Estado, na medida em que as lideranças nunca foram claras, nem tão-pouco havia uma estratégia de criar um poder alternativo. Aparentemente, a estratégia seguida foi a de criar um clima de descontrolo social que, eventualmente, levasse à intervenção das forças armadas. Mas não só isso não aconteceu, como os militares se mantiveram relativamente distantes, quer evitando reprimir os manifestantes quer fazendo a sua vontade.

Será difícil admitir, no entanto, que o que se passou em Brasília não foi, pelo menos, um atentado à democracia, cujas condições foram sendo criadas nos últimos anos. E este facto talvez caracterize o verdadeiro desafio do atual presidente Lula da Silva: o de restabelecer o compromisso social e a credibilidade no funcionamento das instituições, a par das políticas de desenvolvimento de que o Brasil tanto precisa.

Segundo referem as sondagens realizadas no Brasil, a esmagadora maioria dos eleitores de Jair Bolsonaro não se reveem nos acontecimentos da Praça dos Três Poderes. Muitos analistas políticos referem este facto como um sinal de rejeição que poderá diminuir a divisão entre os eleitores brasileiros que votaram ou Jair Bolsonaro (49,10 por cento) ou Lula da Silva (50,90 por cento). Mas, independentemente da relação de forças que venha a resultar das lições tiradas do 8 de janeiro, os brasileiros vão ter de compreender que, para que haja democracia, é indispensável compromisso social.

Texto: Carlos Camponez