Henrique Pinto - Teólogo/Fundador da Impossible - Passionate Happenings

Semanas antes do Natal, praças e avenidas de cidades ou países geralmente mais ricos, de matriz predominantemente cristã, enchem-se das mais sofisticadas decorações natalícias. A sua apreciação faz hoje parte de visitas informais ou de roteiros turísticos, e é natural que o brilho das luzes e dos arranjos espelhados no olhar de tantos visitadores se pergunte, em alguns, sobre o que é feito do Natal ou onde reside atualmente a sua “essência”.

Por estes dias, numa habitual conversa de fim de dia, o meu irmão contava-me de como, em miúdo, o Natal estava intimamente ligado à procura diária, depois da escola, dos “tocos” que haveriam de arder no adro da Igreja, desde a noite do dia 24 de dezembro até aos primeiros dias do novo ano, à alegria da oferta feita pelos nossos pais de uma simples camisola ou de pequena tablete de chocolate, que depois se fazia durar e se gostava religiosamente, à participação na “missa do galo”, e ao convívio festivo e fraterno entre familiares e vizinhos. Para si, o Natal nunca mais foi o mesmo, depois que deixou Loriga (Seia), a terra onde nascemos.

Parece que, no decorrer do tempo, o Natal se foi despindo do que teria de mais seu, para se vestir do que uma afirmação do pensamento moderno foi gradualmente colocando no seu lugar, tornando-os símbolos ou adereços fundamentais. A recente canção, “Christmas Time”, que juntou, num dueto, Elton John e Ed Sheeran, não convida as pessoas a reunirem-se à volta de Jesus, mas de uma árvore. A Santa Sé não gostou que a União Europeia sugerisse que em vez de “Feliz Natal” se passasse a dizer “Boas Festas”. E são inúmeras, repetidas todos os anos, as observações que se fazem de que os embrulhos, as roupagens, as luzes, as decorações, o comércio, nada têm a ver com o Natal, ou que estes nada mais fazem que esconder ou relegar para último plano o que lhe é central: Jesus de Nazaré.

Muito se disse e muito vai ainda continuar a dizer-se sobre a secularização. E ao contrário dos que sempre a interpretaram como o desaparecimento do “religioso”, numa gradual conquista do “desconhecido” pela ciência e tecnologia, a verdade é que esta, como natural destino do Cristianismo, parece não ser outra coisa que o “Evangelho a tornar-se mundo”, ou o permear da vida, nas suas várias dimensões, pela narrativa cristã. O “regresso do divino”, a que tenho dedicado anos da minha vida, tem precisamente a ver com uma particular forma de ser, que nos é intrínseca, nossa condição, e que por ser “pura gratuidade” ou “graça” nos faz viver ou respirar o que chamo de “imanente transcendência” (abertura), ou de “ser para o outro”, e que é central à história do Natal.

Seria sempre despropositada, inútil a “guerra” contra as árvores, o Pai-Natal, os presentes, a magia criada por luzes e as mais espetaculares decorações, até porque estas, como tantas outras, têm raízes cristãs ou foram cristianizadas. O que não parece de todo correto, honesto, verdadeiro, é que, chegado ao Natal, e ao ambiente de festa que habitualmente o veste, não se invocasse, não se narrasse ou não se desse a conhecer a quem a não conhece, a história que lhe está na origem. Por isso, dizer “Boas Festas” nunca poderá substituir-se ao “Feliz Natal”, mesmo quando a Europa e outros mundos se têm por laicos, não-confessionais, multiculturais. Até que o mundo pare neste período do ano, até que os presépios se façam, as árvores se embelezem, as ruas se encham de cor e o Pai-Natal ofereça presentes, à imagem dos que são Nicolau (séc. III-IV A.D) dava às crianças pobres, este será sempre Natal e o Natal de Jesus.

Desci também eu, num sábado, à Baixa de Lisboa, o que me fez recordar a visita quase obrigatória à iluminação de Natal do West End de Londres, e a sensação que tive foi a de estar numa capital de um país rico. As ruas e as praças estavam apinhadas de gente, alguns turistas, e por instantes, parecia que todos os problemas do mundo tinham desaparecido. Se foi esta a ilusão, a magia a que se propuseram os milhares de euros gastos pelo município, creio que o terão visualmente conseguido. Mas a verdade é que sem “ser para o outro”, a mesa posta será só para alguns, enquanto milhares de tantos outros vão continuar a habitar vãos de escada, nos sem abrigo, a viver pobres, nos trabalhadores, a morrer no mediterrâneo e junto às fronteiras de arame farpado, nos migrantes, a viver abandonadas e a morrer sozinhas, nos idosos, a não terem futuro, nas crianças e jovens, da mesma maneira que a terra continuará a ser maltratada e a ser condomínio fechado. Malfadado cair do pano-enganador das festividades.