Ilustração: David Oliveira | Texto: Teresa Carvalho

O despertador tocou. Maria esticou o braço para o desligar, enquanto confirmava o que diziam os ponteiros: 06h30.
De um salto, inicia a corrida feita de múltiplas intenções e tarefas: preparar o pequeno-almoço, finalizar a mochila do lanche das crianças, passar pela cama de cada uma a dar o beijinho de anúncio de novo dia, lembrar as instruções ditas todos os dias…
Neste rodopiar matinal de Maria, a algazarra acelerada vai tomando conta da casa, com o relógio a comandar os ritmos.
Em estilo concentrado, durante uma hora Maria socorreu tantos apelos que nem os conta:
– É esta camisa, mãe? Posso levar os ténis novos? Não quero cereais! Despacha-te mãe, não quero chegar tarde! Vais buscar-me cedo, mamã?
Com sorte, talvez consiga ter todos no carro a tempo de não apanhar filas de trânsito…
Finalmente todos! Acordados, alimentados, dentes lavados, penteados, com lanche pronto e mochila a tiracolo! E Maria a comandar, enquanto se conseguiu aprontar nos intervalos dos pronto-socorro.
Ao olhá-la, vê-se força, determinação e um tom feliz no olhar, que abafa dias e anos de cansaço, imparável na tarefa de preencher a vida das suas crianças, que lhe preenchem a alma.
No local de trabalho é um novo dia que começa. Outros cenários aguardam-na e esperam dela respostas e soluções. O sorriso pronto dá a leveza e espanta cansaço, que mais uma vez Maria silencia.
O horário de trabalho chegou ao fim. É tempo de Maria preparar-se para o novo rodopio de reunir os filhos que sempre a esperam com uma novidade, umas vezes de risos soltos, outras de queixume ou silêncio, mas sempre a esperar um aconchego amoroso de Maria, capaz de amenizar a dor ou de enobrecer os gestos que quase passavam despercebidos.
De regresso a casa depois de gerir a agenda das atividades dos filhos, esperam-na as tarefas de todos os dias: refeições, banho, roupas, trabalhos escolares, distribuir tarefas, salvar discussões, ensinar a crescer, adivinhar sonhos e medos não ditos, espreitar brincadeiras, e, novamente o relógio a marcar ritmo acelerado.
Chega a noite e o silêncio impõe-se, gradualmente, até Maria ficar sozinha, a arrumar, preparar o dia seguinte, confirmar agenda – e o relógio continua a marcar as horas, mas Maria já nem as vê. É que agora, no silêncio do sono solto e seguro dos seus meninos, que Maria protege e embala, só agora, Maria dá direito a que o cansaço do dia se faça ouvir, para logo ser esquecido no dia seguinte, com o toque do despertador.
Sim, o despertador tocará no dia seguinte, e no dia seguinte, e no seguinte, nas férias, nos domingos e feriados… o relógio tocará enquanto contarem com Maria para acautelar que todos estão bem, e tudo aquilo que precisam Maria assegurará – ao ritmo certo do relógio, que não sabe nada nem liga ao cansaço de Maria.
E quem sabe? E quem liga? Talvez nem Maria!
Quem reconhece? Talvez nem Maria!
Quem valoriza e agradece?
Mas Maria continua, ao ritmo dos relógios de quem dela precisa.

Teresa Carvalho