Como fazer desenhos sem borracha? Só podia ser brincadeira…
Os alunos de Luísa logo saberiam que esta era a regra número um naquelas aulas.
Este era um tempo especial, num local especial e com um grupo especial.
Era especial para Luísa que aceitara o desafio de ser voluntária, e era extraordinário para os alunos, que, estando a cumprir uma pena de prisão, podiam descobrir e treinar capacidades que nunca imaginaram sequer possuir. Mas Luísa queria mais. Queria que, ali, os seus alunos voassem, que fossem “artistas” e não “reclusos”. Queria que se sentissem livres para pensar e para exprimir as cores que guardam na alma, em formatos de histórias escondidas, de temores e de esperanças acarinhadas. Queria que se sentissem pessoas, com direito a reconstruir depois de errar. Queria que soubessem que na nossa história se pode tropeçar, mas sempre, sempre levantar e continuar, até bem longe!
Era a primeira lição.
Luísa olhou todos os ocupantes daquela sala, tensos e expectantes, em silêncio.
Começou por dizer:
– Esta turma é especial! Todos aqui somos artistas.
Uma gargalhada geral descomprimiu a tensão que se sentia.
– Ainda bem que concordam comigo! Riu Luísa, divertida e descontraída.
– E como somos artistas, vamos recolher todas as borrachas que têm sobre as vossas mesas.
A gargalhada voltou a ouvir-se, agora mais sonante.
– Vai ser melhor darem-me já mais folhas, dizia um dos alunos.
– E eu, ainda não comecei, mas vou-me preparar para ser gozado o resto da vida…
Os comentários continuavam, divertidos, enquanto as borrachas eram recolhidas.
Mostrando as borrachas acumuladas, Luísa explicou:
– Este é um material proibido entre nós. Seria um erro querer apagar um traço que fizemos. Cada traço foi feito num determinado momento. O destino dele é ser parte
de uma construção, que eu posso sempre reinventar, alterar, incluir na obra final.
– Se repararmos – continuava Luísa, enquanto apagava um traço que desenhara no quadro – enquanto estou concentrada a querer apagar um traço, nem paro para o observar bem, para ver o que ele possibilita e como posso aproveitá-lo para melhorar ou alterar o projeto que tinha pensado inicialmente construir.
Por vezes é um traço fora do lugar, que permite criar a obra prima! Quantas vezes um acidente num quadro, lança o artista para uma novidade que o surpreende até a ele próprio…
Então, Luísa propôs o trabalho do dia:
– Por isso, o primeiro trabalho deste nosso grupo é desenhar uma borracha, ou tantas quantas quiserem desenhar. Depois, iremos destruir esses desenhos em bocadinhos de papel, que usaremos para um quadro
de grupo, com um título à nossa escolha.
Luísa calou-se. Ouvia-se um silêncio quieto, atento, dos que criam movimento interior.
A aula terminou. Cada um daqueles alunos regressou à sua cela com uma harmonia nova: os traços desconjuntados da vida, podem ser base de lançamento para a construção de uma obra-prima.
O sonho e a esperança alimentaram os passos até à cela, e até fizeram esquecer o barulho das chaves e o frio do percurso.
Luísa saiu da sua primeira aula especial com aqueles alunos especiais. Bastou esta aula para Luísa aprender uma nova verdade da sua vida de artista: o que vale, não é o traço. O que tem mesmo valor, é quem o desenha! É nele que se deve e tem de apostar!








