Isabel esperava pela sua vez de ser atendida. Era a sua quinta sessão de tratamento, mas ainda não se habituara a este novo ritmo da sua vida. Até agora nunca estivera doente, nem se lembrava de ter recorrido ao médico. Era estranho e assustador. Sentia uma angústia, em silêncio. Não a partilhava com ninguém, nem ali, nem em lugar nenhum. Era assim o seu jeito de ser: notícias de dor, não eram para contar.
Enquanto esperava, olhava discretamente os que, como ela, aguardavam sentados. Uns, distraíam-se com o programa de televisão, outros liam, uma senhora fazia crochet, alguns dormitavam e outros, passeavam os olhos enquanto tentavam levar os pensamentos bem para longe daquele lugar.
Um homem que deveria ter uns 50 anos entrou na sala, em passo lento, com a ajuda de uma bengala. Na outra mão, um punhado de flores. Não era ramo como o das floristas, nem estava atado. Era mesmo só um punhado de flores.
O perfume encheu o ar. O senhor aproximou-se de uma cadeira vaga e pousou as flores. Depois, pegou num raminho de alfazema e dirigiu-se a Isabel. Olhou-a de frente, sorriu-lhe, estendeu-lhe o raminho de alfazema com uns botões prestes a abrir, e esclareceu:
– Hoje é o Dia da Felicidade. Gostava que aceitasse esta flor. Ela lembra que há tanta beleza na nossa vida que temos todas as razões para sermos felizes.
Espantada, Isabel aceitou aquele raminho perfumado do senhor que a olhou nos olhos, sorriu para ela e lhe falou ao coração, só para ela. Até parecia que estava a ouvir os seus pensamentos assustados e os vinha apaziguar.
Enquanto aquele senhor ia à cadeira onde deixara as flores e as distribuía uma a uma, por cada um dos presentes, Isabel buscava na sua memória, cheiros, imagens, episódios que a deixaram feliz, e que há tanto tempo não lembrava, como se até tivessem desaparecido da sua vida.
Aos poucos, os cheiros, as cores e o silêncio solitário daquela sala, desapareceram, e levaram consigo aquele cenário doente. Começaram a ouvir-se vozes entusiastas que trocavam comentários sobre a sua flor, sobre a flor que coube ao vizinho do lado, sobre as que tinham lá em casa, sobre os cuidados que elas precisavam, e, claro, sobre o tal Dia da Felicidade!
De repente, não havia “doentes” sentados numa cadeira à espera de tratamento. Havia um grupo de entusiastas de flores, de horta e de natureza, de experiências multicolores, de vida, que encheram o ar de recordações e de vozes risonhas que falavam de felicidade vivida.
Aquele senhor, o André, sentou-se.
Olhou extasiado o poder de uma simples flor, ou melhor, o poder de olhar alguém nos olhos e, genuinamente, lembrar-lhe o seu lugar na vida como um convite à felicidade. Isabel levantou-se, foi ao lugar onde aquele senhor conversava divertido com os vizinhos do lado, e, sem saber muito bem por que o fazia, pegou-lhe nas mãos, beijou-as e, numa emoção agradecida, confessou baixinho:
– Eu nunca tinha recebido flores!








