Ao som da viola, o primeiro grupo fez-se anunciar, logo recebido e acompanhado por vozes e instrumentos musicais improvisados que se juntaram para percorrer todas as casas da aldeia, numa sinfonia que trazia mensagens de alegria e felicidade para cada família, como era tradição no início de mais um ano.
As portas abriam-se e a mesa farta e o calor dos abraços emprestavam àquele dia especial um ar festivo e fraterno pela proximidade que se vivia. Era tempo de encontro, de ver amigos que ali permaneciam ou que, já não morando ali, regressavam à aldeia para reviver recordações e amizades.
Todos eram envolvidos nesta festa de gente que se quer bem: os velhinhos, que aguardavam este dia como uma certeza de serem lembrados e estimados, e oportunidade para rever aqueles que eles viram nascer e crescer, recordando histórias de um tempo que só eles conhecem; visitavam as famílias jovens que corajosamente mantinham a aldeia ativa; os jovens que trocavam informações de uma vida em avanço acelerado, e as crianças que viviam na algazarra e no encontro, a felicidade de ver todos a sorrir, até ser bem noite.
Lúcia era das que tudo fazia para estar presente nesta data. Revivia a sua infância em cada regresso à aldeia, e sentia-se novamente menina a percorrer, traquina, a vizinhança. E ali, em cada casa, era a última a sair. Ficava a ouvir histórias. Ouvia as dores que eram contadas; a solidão de quem já não sabia o que fazer, as conquistas dos filhos, as fotos dos netos; as notícias de quem adoecera ou já partira.
E no meio das vozes e instrumentos que enchiam o ar de música e festa, Lúcia via a necessidade de ficar, de andar de novo pelas casas, mesmo sem música, agora a redescobrir o que trazia frio, dor ou silêncios, a inventar outras soluções, a esclarecer dúvidas, a marcar presença e fazer ponte com um outro mundo de oportunidades e respostas. Por instantes, Lúcia sentia que o seu cantinho de infância chamava por ela, como sendo um lugar a precisar de si para reconstruir. E porque não?
Por causa desse sentir, Lúcia retornou e nunca mais parou: associou-se a quem podia ajudar. Juntos, iriam definir o que e como fazer. Sabiam que ali, naquele lugar que era também o seu, podiam contribuir com o seu saber, com a sua disponibilidade e com a sua força, congregando as forças, as artes, os saberes, as histórias, as vontades dispersas e algumas paradas e até desconhecidas, à espera de oportunidade. Era isso que juntos construiriam: oportunidade!








