Àquela hora não havia muita gente no supermercado. Luísa percorria em passo acelerado os corredores onde sabia encontrar o que necessitava. A meio do percurso, alguém fê-la parar.
– Porquê tanta pressa, Luísa?
– António, há quanto tempo! Como vai tudo?
– Graças a Deus estou muito bem… reformado, com tempo para fazer o que é preciso.
A conversa continuou, num contraste de tempo entre os dois: Luísa a tentar acelerar o fim, e António, tranquilamente, a apreciar o momento.
– Bom, preciso de ir porque o tempo corre. Cumprimentos à sua esposa – conclui Luísa, em jeito de despedida.
– Ela vai ficar contente. Obrigada! Graças a Deus que a cabeça não foi afetada.
– Mas aconteceu-lhe alguma coisa?
– Sim, está acamada há quatro anos, depois de uma trombose. Não se consegue mover sozinha e não fala, mas continua a ser uma companhia extraordinária. Os olhos falam por ela.
– Então, quem cuida dela?
– Eu, claro! Sabe que eu servi na tropa, e havia uma máxima no meu batalhão: ninguém fica para trás! Se a
Ângela está agora a precisar de mim, o meu lugar é fazer o que precisa ser feito. E se este é o meu lugar, quero ocupá-lo tão bem quanto eu for capaz.
– E há quatro anos que vivem esta situação? Deve estar exausto!
– De modo nenhum. Nos bocadinhos em que a Ângela não precisa de mim, vou à horta, sinto a vida a crescer, descobri uma paz que nunca tinha vivido. E quando chego ao pé da Ângela com algum produto da horta, e ela me lança aquele sorriso de espanto, eu sinto-me como se tivesse feito uma obra de arte. Sou abençoado.
Luísa esqueceu a pressa. Estava perplexa com aquela visão da vida. António transmitia a paz de que falava e deixava escapar uma alegria instalada.
– António, e a Ângela, como vive ela esta situação de dependência?
– Sabe, Luísa, nós encontrámos um modo de felicidade que não tínhamos ainda descoberto. Aprendi a fazer tanta coisa nova, que antes era da responsabilidade da Ângela… e percebi quanto ela fez por mim, sem eu me dar conta. Hoje, dou-lhe muito mais valor e estou-lhe profundamente agradecido. E ela faz o mesmo comigo. Nestes quatro anos, mais do que todo o tempo em que vivemos juntos, aprendemos a apreciar cada momento.
Passamos grande parte do tempo juntos a conversar e a rir.
– Conversar? Mas afinal a Ângela fala?
– Não com a boca, mas fala com os olhos. Já concluímos que por termos de usar os olhos para conversar, conhecemo-nos muito melhor, e sentimo-nos muito mais unidos. Hoje, amamo-nos de forma mais intensa.
Luísa e António chegaram à caixa. António deu a Luísa, porque ela tinha pressa, o lugar dianteiro na fila. Mas Luísa perdera a razão da pressa. A pressa estava a impedi-la de viver o momento, tal como António acabara de lhe ensinar.
No saco, Luísa levou os produtos que viera buscar. E, porque António se atravessou no seu caminho e não a deixou ficar para trás, Luísa levou também um jeito novo de olhar e de ouvir – com os olhos. Saiu dali decidida a apreciar o momento e perceber a paz e a bênção de aceitar o seu lugar, a fazer o que precisava ser feito, e adotando o lema de António: ninguém fica para trás.








