Anabela vivia cada novo dia de trabalho com uma nostalgia crescente. Talvez no próximo mês já estivesse reformada. Se por um lado ansiava por algum descanso e maior liberdade para dar apoio aos netos, agora que a saída se aproximava, sentia a perda de tanta coisa: dos risos das crianças, dos “bom dia, Anabela”, do “tchau, até amanhã”, dos abraços sem porquê, das frases sábias que só se dizem quando se é criança – e tantas, tantas outras venturas que os muitos anos na creche lhe permitiram.
Talvez que, naquele fim de tarde, Leonor tivesse sentido esse misto de tristeza e saudade espelhado nos olhos de Anabela, quando, acompanhada da mãe, vieram buscar Maria, a maninha mais nova. Talvez por isso Leonor não acompanhou a mãe à sala de Maria, como habitualmente, mas deixou-se ficar ali, no hall da receção, ao lado de Anabela.
– Então, Leonor, hoje não tens mais atividades? – quis saber Anabela, a iniciar a conversa.
– Não, agora só amanhã, e é escutismo – mas isso não é bem uma atividade, é mais uma parte fixe do fim de semana.
– Gostas assim tanto de ser escuteira?
– Tanto que tenho a certeza que vou ser sempre escuteira até velhinha.
– Eu nunca fui, mas agora também já é tarde! Quem aceitaria uma pessoa com a minha idade? Só ia atrapalhar!
– Nem penses! Há lá pessoas muito mais velhas do que tu – hei, eu não estou a dizer que tu és velha, porque não és (e ambas riram divertidas com a preocupação de Leonor em assegurar a juventude de Anabela). E depois de uma pausa, parecia sonhar um sonho para Anabela:
– Podias ser chefe, sabes? Só tens que fazer o curso e depois podes escolher um grupo. Se quiseres até podes vir para o meu grupo de Exploradores, mas também podes ir para os mais pequeninos como tu gostas, não é?
– E achas que eu daria conta do recado?
Leonor abanava afirmativamente a cabeça, olhando fixamente nos olhos de Anabela, a mostrar quão convicta estava do que afirmava.
– Sabes, Leonor, vou mesmo pensar no assunto! Parece-me que dentro de pouco tempo serás responsável por mais uma escuteira no país.
A mãe de Leonor apareceu com Maria a correr feliz em direção à porta, só travada pelo colo caloroso de Anabela que a despediu com o habitual abraço. Mas o abraço de hoje estendeu-se também a Leonor, acompanhado de um segredo ao ouvido:
– Obrigada, grande exploradora! Hoje fizeste de mim uma escuteira de futuro, e receitaste-me um bálsamo contra as minhas tristezas.
Leonor saiu feliz, mesmo não sabendo o quão importante fora a pequena conversa com aquela senhora simpática da creche da Maria, que os recebia sempre de forma tão calorosa.
Mas para Anabela, a proposta da pequena Leonor, tornou-se irrecusável e teve efeito de transformação. Leonor mostrara-lhe que ela só perderia a vitalidade e o encantamento pela vida, se ela própria decidisse fazê-lo. E Anabela estava determinada: não se permitiria perder nada do que a realizava enquanto pessoa.
Continuaria a escrever a sua história, num outro caminho, novo, com limites mais abertos.
No dia seguinte, quando pela manhã Anabela recebeu as crianças na creche, o seu olhar tinha novo brilho, o de antigamente, quando sentia que a sua vida era um dom partilhado. Leonor relembrou que há um mundo novo de dons e partilhas a ser explorado… e não o vai desperdiçar!








