Ilustração: David Oliveira | Texto: Teresa Carvalho

Na sala, o professor João já esperava Mariana e André, como habitualmente. Hoje, mostrava-se especialmente animado e desafiante:
– Bem, meus amigos parece que vocês vão ter palco e assistência! Parabéns!
– Em que nos quer meter, professor?
Foi assim que Mariana e André souberam que estavam convidados a participar na abertura de um encontro sobre Direitos das Crianças. Os dois amigos sabiam que não conseguiriam contrariar o professor, para além de serem tentados a desafiar-se a novas experiências. Na verdade, já cada um deles tentara desistir destas aulas de clarinete ao longo do tempo. Seria bom não ter aqueles ensaios após um longo dia de aulas, ou ter de acordar cedo ao sábado para ter aulas de música. Era tentador libertar os pais de chegar tarde a casa, para poderem regressar juntos. E seria muito mais tranquilo não se sentirem responsáveis por animar os momentos especiais em família, ou treinarem horas seguidas para as festas da escola. Contudo, ainda lá estavam, os dois.
Mariana olhou para André a tentar adivinhar o que ele sentia. Tocar perante um público que a olhava e escutava atentamente, envolvia sempre algo de assustador, mas quando começava a música, sentia que a melodia a envolvia a ela e dominava o espaço e também os seus medos. André encolheu os ombros. Não sabia dizer “não” a alguém que lhe pedisse colaboração. E nunca o faria ao professor! Foi assim que Mariana e André se viram em frente de uma imensa plateia de técnicos de diferentes formações. O professor João, ao fundo da sala, de pé, tranquilizava-os com aquela expressão serena e confiante de sempre.
A apresentadora do encontro deu as boas-vindas aos participantes. Enquadrou que um dos Direitos das Crianças era o de lhes ser dada voz, e a presença de Mariana e André traduzia a expressão desse Direito, agora, em forma de música. Finalizou, convidando a assembleia a “Dar-lhes o Direito de fazerem ouvir a sua voz”.
As peças que Mariana e André tocaram, “tocaram” realmente aquelas pessoas. Os dois amigos viram o sorriso rasgado do professor ao fundo da sala, e souberam que ele se tinha sentido homenageado e realizado. O entusiasmo dos aplausos dos participantes, depois do silêncio quase sagrado com que os ouviam, deu-lhes a dimensão de quanto valera a pena desafiar-se. E aquela satisfação experimentada no final deixava-os maiores, como parte daquele momento de beleza que acabavam de criar.
Mas André, agora, estava focado numa descoberta que o deixou no universo do sonho –
Encontrou o “Projeto André”, que andava à procura e que o angustiava não ter! Encontrou o sentido de si mesmo: Defender Direitos! Defender o Direito a ter voz! Usar a voz para dizer tanta coisa! Quer dizer o que deseja, o que pede, sonha, até o que exige, aquilo em que acredita. E mais! Quer ser dos que dão voz! Decide ser voz dos que não têm voz! A generosidade de jovem e o desejo de André de fazer parte da transformação que quer ver acontecer, ainda sem saber como nem o quê, é agora um “quase enredo” que já sente a pressa em montar.
André saiu do palco no meio dos aplausos. Mas agora já só ouve o mundo dos seus sonhos. Ninguém vê o peito de André a encher-se, mas ele sente-o a elevar-se, numa afirmação da confiança que a descoberta do seu lugar faz desabrochar:
– Dar voz! Ser voz! Será isso que farei!