O entusiasmo e a expectativa estavam ao rubro. Era este o estado habitual do Grupo Dançando Com a Vida no encontro do primeiro ensaio de novo espetáculo. E para este, a data de estreia estava já marcada!
Henrique estava pronto para satisfazer a curiosidade. Todos os olhos o focavam. Todos, não, porque alguns olhos não viam.
Neste grupo, alguns olhos não viam, alguns ouvidos não ouviam, algumas pernas não andavam, algumas mãos não seguravam, algumas mentes eram muito lentas, mas todos dançavam ao mesmo ritmo e juntos cantavam uma mesma canção.
Henrique não via o que cada um não tinha e o que cada um deles não podia. Henrique via e congregou pessoas que tinham algo para acrescentar e formou um grupo capaz de contar histórias apaixonadas, daquelas que se gravam no coração, feitas de passos de dança.
Neste grupo, os corpos embrulhados ou soltos, girando em cadeiras de roda ou voando sobre ombros e braços entrelaçados, numa dança de complementaridade e sintonia, ensinavam e transportavam para um universo de magia, de superação, beleza, de harmonia e reconhecimento da grandiosidade que compõe cada ser humano.
O Grupo Dançando com a Vida que Henrique criou, arrebatava multidões.
Hoje, Simão chegou bem perto de Henrique e falou-lhe tão baixinho que parecia um segredo. Traz dor na expressão e na voz. Vem anunciar a Henrique e a todos que terá de suspender a sua participação no grupo.
Simão é cego e vive com a mãe idosa também cega. Juntos, organizavam a sua vida de forma autónoma. Contudo, a vida desmoronou-se. A mãe sofreu um AVC e perdeu a sua autonomia. Precisam de ajuda nos horários em que Simão trabalha.
Henrique decide então subir a outro palco, o palco real da vida de Simão e da mãe. Aí, no cenário desse palco real, encontra duas pessoas habituadas a superar “impossíveis”, a conquistar a sua autonomia e independência, a serem agradecidos à vida, a ser contributo de qualidade nos lugares que ocupam.
Mas hoje, o cenário bonito por eles construído, ruiu. Henrique, neste cenário, sente-se completamente desorientado. A única coisa que sabe fazer, é dar o seu abraço. Sim, porque Simão vê os abraços!
Assim abraçado, Simão sabe que passou a estar acompanhado neste palco real que se tornara de repente assustador e agigantado, a exigir rodopios sucessivos de contactos, documentos, serviços, técnicos, filas, mais documentos, outros técnicos, novos serviços, mais filas.
Em todos esses movimentos, acompanhando ou substituindo Simão, lá estava Henrique, participando, amparando e relançando Simão na sua dança principal, onde ele tem o papel de honra – a dança da vida.
O dia do segundo ensaio do Grupo Dançando com a Vida chegou.
Henrique trazia agora uma coreografia alterada, nascida do abraço partilhado com Simão, e transformada por Henrique em compromisso. Falava de experiência solidária, dos momentos em que precisamos de acompanhar e ser acompanhados nos momentos dramáticos da história. Falava de crescer junto, de nos permitirmos a ver, a ouvir, a importar-se e a agir!
Henrique desenrolou uma enorme bandeira com o novo nome do espetáculo, o nome mais sentido que já dera: “Eu subo ao palco contigo”.
É esta a nova coreografia. Será esta a mensagem que o Grupo Dançando com a Vida segredará ao coração de cada espectador do novo espetáculo.
Teresa Carvalho








