Palestinianos observam os efeitos da destruição depois de o exército israelita ter bombardeado a Igreja de São Porfírio, na cidade de Gaza, a 20 de outubro de 2023. Foto © Omar El Qattaa/Amnesty International.

Uma Comissão Independente Internacional de três membros, que trabalhou a pedido da ONU, concluiu que Israel tem cometido e continua a cometer atos de genocídio em Gaza, instando a que pare com tão grave violação do direito internacional e que sejam punidos os seus responsáveis.

Num relatório divulgado esta terça-feira, 16 de setembro, a Comissão aduz evidência documentada de factos que a leva a concluir que foram até agora praticados quatro dos cinco atos-tipo que configuram o crime de genocídio, tal como definido na Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, de 1948.

Esses atos envolvem assassinatos de civis, incluindo crianças; bloqueio de ajuda humanitária e sanitária; deslocamento forçado da população palestiniana; e imposição de medidas destinadas a prevenir nascimentos, como seja o bombardeamento e destruição de uma clínica de fertilização in vitro (Al-Basma, em 23 de dezembro de 2023).

“A Comissão considera que Israel é responsável pela prática do genocídio em Gaza”, disse, numa conferência de Imprensa em Genebra, Navi Pillay, a presidente da Comissão de Investigação. Aquela responsável afirmou que “a responsabilidade por estes crimes atrozes cabe às autoridades israelitas dos mais altos escalões, que orquestraram uma campanha genocida há quase dois anos, com a intenção específica de destruir o grupo palestiniano em Gaza,” disse Pillay.

relatório agora apresentado, com 72 páginas, cita declarações explícitas das autoridades civis e militares israelitas que convergem num padrão de conduta das forças de segurança indicativa de que os atos genocidas foram cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, os palestinianos na Faixa de Gaza enquanto grupo.

Uma estratégia planeada desde o 7 de outubro

“Palestinianos foram atacados em Gaza, em suas casas, em hospitais, em abrigos (incluindo escolas e locais religiosos), durante as evacuações e em zonas seguras identificadas”, refere o documento (ponto n. 31). “Por vezes – acrescenta – civis, jornalistas, profissionais de saúde, trabalhadores humanitários e outras pessoas sob proteção foram diretamente alvejados e mortos”.

Sempre com fontes de apoio citadas, os investigadores fazem notar que os assassinatos ocorreram até mesmo durante os períodos de cessar-fogo, contrariando os termos do próprio cessar-fogo e sem aviso prévio, dando o exemplo do que se passou em 18 de março deste ano de 2025, com o cessar fogo ainda em vigor, em que os militares mataram mais de 400 palestinianos (perto de 60 por cento mulheres e crianças) e feriram mais de 560.

São múltiplos os casos documentados que levam a Comissão a concluir que as autoridades israelitas “pretendiam matar o maior número possível de palestinianos através das suas operações militares em Gaza desde 7 de outubro de 2023 e sabiam que os meios e métodos de guerra empregados causariam mortes em massa de palestinos, incluindo crianças.

Este caráter planeado não incidiu apenas nos assassinatos em massa, mas também na “imposição deliberada de condições de vida”, calculadas para “causar a destruição dos palestinianos”, mediante o bloqueio da entrada de medicamentos, equipamentos médicos, alimentos e água em Gaza (cf. n.48).

A investigação feita põe em evidência o ataque e destruição sistemáticos por parte do exército israelita, de casas e estruturas palestinas em Gaza, incluindo terras agrícolas e outras propriedades indispensáveis ​​à vida dos palestinianos, bem como a destruição de sítios culturais e religiosos, plano que considera “relevante para inferir a intenção genocida”, ainda que tais atos não constituam necessariamente um ato subjacente de genocídio.

Desenvolvendo este ponto, os autores observam que “os ataques sistemáticos e generalizados a locais religiosos, culturais e educacionais em Gaza desde 7 de outubro de 2023 (…) causaram danos extensos e, em muitos casos, irreparáveis ​​aos locais”. Tais ataques, acrescenta, “visavam causar danos irreversíveis aos palestinianos em Gaza, destruindo elementos da identidade do povo palestiniano e apagando a cultura palestiniana”.

Presidente e Primeiro Ministro de Israel incitaram ao genocídio

Um aspeto que foi também considerado, para reforçar os planos deliberados de cometer genocídio por parte de Israel foi o da “incitação direta e pública à prática de genocídio”.  A Comissão documentou inúmeras declarações, mas pôs em evidência particularmente as do presidente israelita, enquanto Chefe de Estado, as do Primeiro-Ministro e as do Ministro da Defesa, os dois altos cargos governamentais diretamente ligados à cadeia de comando militar.

Recordando que o Tribunal Internacional de Justiça já tomou, em 26 de janeiro de 2024, a deliberação sobre medidas provisórias que apontam para sinais consistentes de genocídio em Gaza, o relatório cita o direito internacional para lembrar que, mesmo na ausência de uma ordem expressa daquele Tribunal, “todos os Estados têm o dever de avaliar se uma violação da Convenção sobre Genocídio ocorreu ou pode ocorrer e tomar medidas para determinar as suas próprias obrigações na prevenção e punição de tais atos” (n. 246).

A Comissão faz, na parte final, um conjunto de recomendações dirigidas a Israel e a outros estados. Destacam-se aquelas que enfatizam que o governo israelita deve (a) cessar imediatamente a prática de genocídio; (b) implementar imediatamente um cessar-fogo permanente e completo em Gaza; e (c) dar por findas todas as operações militares no território palestiniano ocupado que envolvam a prática de atos genocidas.

Relativamente a todos os Estados-Membros da ONU, a Comissão apela a que ajam para impedir a prática de genocídio na Faixa de Gaza; cessem a transferência de armas e outros equipamentos ou itens, incluindo combustível de aviação, para o Estado de Israel; tomem medidas (incluindo a imposição de sanções) contra Israel e cooperem com a investigação do Procurador do Tribunal Penal Internacional.

Comentando estas conclusões, a presidente da Comissão de Investigação, Navi Pillay, disse que “a comunidade internacional não pode ficar em silêncio sobre a campanha genocida lançada por Israel contra o povo palestino em Gaza. Quando surgem sinais claros e evidências de genocídio, a ausência de ação para detê-lo equivale a cumplicidade”.

“Cada dia de inação custa vidas e corrói a credibilidade da comunidade internacional. Todos os Estados têm a obrigação legal de usar todos os meios razoavelmente disponíveis para impedir o genocídio em Gaza”, acrescentou ela.

A Comissão Internacional de Investigação foi criada em maio de 2021 pelo Conselho de Direitos Humanos para investigar no território palestino ocupado, incluindo Jerusalém Oriental, e em Israel, “todas as supostas violações do direito internacional humanitário e todas as supostas violações e abusos do direito internacional dos direitos humanos” e “estabelecer os factos e circunstâncias que podem constituir tais violações e abusos e os crimes perpetrados”, implicando todas as partes em presença.

Em relatórios anteriores, esta Comissão já tinha apurado que as forças de segurança israelitas cometeram crimes contra a humanidade, crimes de guerra, abordando agora a questão do genocídio, no período a partir de 7 de outubro de 2023, inclusive.

Texto redigido por 7Margens, ao abrigo da parceria com a Fátima Missionária.