Lazar Aslam, 39 anos, é um padre franciscano capuchinho, que trabalha na arquidiocese de Lahore, Paquistão, país onde nasceu. Este presbítero é um ativista dos direitos humanos – apoia cristãos perseguidos, organiza seminários para promover a paz e a harmonia entre diferentes comunidades religiosas e contribui com artigos e relatórios para boletins e revistas nacionais e internacionais.
Autor do livro Building Bridges: The Role of the Church and the Bible in Supporting Immigrants and Refugees (“Construindo pontes: o papel da Igreja e da Bíblia no apoio aos imigrantes e refugiados”, em tradução livre), o padre Aslam respondeu, por correio eletrónico, a um conjunto de perguntas enviadas pela FÁTIMA MISSIONÁRA. Lazar Aslam fala do Paquistão como um país intolerante e aponta para medidas que podem ser tomadas pela Europa e pelo Ocidente para apoiar as minorias religiosas naquele país.
Os ataques contra cristãos têm aumentado no Paquistão. Que contexto leva a esta perseguição religiosa?
Nos últimos anos, os ataques no Paquistão contra cristãos, que são um grupo minoritário no país, aumentaram significativamente. Esses ataques incluem assassinatos, falsas acusações de blasfémia, sequestros, agressões sexuais, conversões e casamentos forçados e a destruição de casas e igrejas.
O contexto que levou a essa crescente perseguição religiosa pode ser atribuído a múltiplos fatores. O Paquistão, como o segundo maior país de maioria muçulmana do mundo, possui um quadro legal que inclui leis rigorosas contra a blasfémia, frequentemente utilizadas indevidamente para atingir minorias religiosas, incluindo cristãos. Essas leis, originalmente destinadas a proteger crenças religiosas, são frequentemente usadas como armas para disputas pessoais, conflitos de terras ou, simplesmente, por intolerância religiosa.
Falsas acusações de blasfémia são comuns e podem levar à violência entre multidões, longas penas de prisão e, em casos extremos, até mesmo à pena de morte. Ao longo de décadas, o extremismo religioso no Paquistão cresceu, alimentado por grupos radicais que promovem a intolerância e a violência. Esses grupos, através de um discurso de ódio e propaganda, incitam a violência contra minorias, incluindo cristãos. Entre esses grupos extremistas, destacam-se o Lashkar-e-Tayyiba e o Tehreek-e-Labbaik Paquistão.
O que está por detrás disso?
O falhanço do governo em proteger adequadamente as minorias religiosas, aliado a um sistema judicial que frequentemente sucumbe à pressão da multidão, fortaleceu essas fações extremistas. Muitos perpetradores de violência contra minorias religiosas permanecem impunes. Os cristãos no Paquistão fazem frequentemente parte das classes socioeconómicas mais baixas e enfrentam discriminação sistémica na educação, no emprego e no acesso a serviços públicos. Essa marginalização torna-os mais vulneráveis à exploração, à violência e à exclusão social. Além disso, partidos políticos islâmicos e clérigos conservadores influenciam significativamente as políticas nacionais que marginalizam os não muçulmanos.
Os políticos têm frequentemente relutância em apoiar os direitos das minorias, temendo reações negativas de grupos religiosos. Meninas cristãs, especialmente menores de idade, são frequentemente sequestradas, convertidas à força ao islão e obrigadas a casar com homens muçulmanos. Brechas legais, preconceitos sociais e falta de vontade política fazem com que raramente se faça justiça nesses casos. Acusações de blasfémia ou tensões religiosas desencadeiam frequentemente violência coletiva, levando a ataques a comunidades cristãs, igrejas e famílias. A destruição de casas e locais de culto isola ainda mais a comunidade cristã e mina a sua sensação de segurança.
As raízes da intolerância religiosa no Paquistão podem ser encontradas nas políticas de islamização do general Muhammad Zia-ul-Haq, na década de 1980. Durante o seu regime militar, foram introduzidas leis mais rigorosas contra a blasfémia, e promovida uma identidade islâmica conservadora, aprofundando as divisões religiosas dentro do país. A perseguição aos cristãos no Paquistão não é apenas resultado da intolerância religiosa, mas também de manipulação política, falta de organização governamental e brechas legais que permitem o desenvolvimento do extremismo. Para lidar com essa questão, há uma necessidade crucial de reformas legais, aplicação mais rigorosa da lei e uma mudança social em direção à tolerância religiosa e à coexistência.
Diversos ataques têm em vista a conversão das vítimas ao islão. O Paquistão já é um dos países mais intolerantes do mundo?
Com base no meu conhecimento e compreensão, eu classificaria o Paquistão como um dos países mais intolerantes do mundo, particularmente em termos de liberdade religiosa. Conversões forçadas ao islão são um problema recorrente e alarmante, com inúmeros casos que surgem diariamente.
Essa prática representa uma grave violação dos direitos humanos e dos princípios humanitários fundamentais. Comunidades minoritárias, incluindo cristãos, enfrentam desafios significativos para praticar a sua fé livremente e sem medo. A falta de tolerância religiosa e compreensão mútua na sociedade agrava a situação, levando a consequências graves para aqueles que recusam converter-se. Esse ambiente de intolerância não afeta apenas os indivíduos, mas também as comunidades minoritárias em geral.
As notícias têm mostrado que os culpados pelos ataques nem sempre são devidamente punidos. Há cumplicidade das autoridades nesta situação?
Com base na situação atual, acredito firmemente que há cumplicidade entre as autoridades paquistanesas em relação aos ataques contra minorias, especialmente cristãos. Apesar das disposições constitucionais destinadas a salvaguardar os direitos das minorias, essas proteções frequentemente não são implementadas de forma eficaz, deixando as comunidades minoritárias vulneráveis a diversas formas de perseguição e violência.
Um incidente recente envolvendo Waqas Masih [um jovem cristão atacado depois de recusar converter-se ao islão] destaca a questão da aplicação inadequada da lei e a falha das autoridades em proteger as vítimas. Neste caso, o pai da vítima apresentou [uma queixa] contra o agressor. No entanto, foi relatado que a polícia alterou o conteúdo da queixa, provavelmente devido à falta de compreensão do pai sobre os procedimentos legais. Este incidente destaca a necessidade de maior transparência e responsabilização por parte dos polícias do Paquistão, que, frequentemente são vistos como indiferentes ou mesmo cúmplices na proteção de perpetradores de violência contra minorias.
Este caso é apenas um exemplo de um padrão mais amplo de negligência e injustiça. Muitos cristãos e outras minorias que procuram justiça enfrentam barreiras significativas, incluindo falta de conhecimento jurídico, discriminação e ausência de investigação e processo adequados. É crucial que sejam tomadas medidas imediatas para garantir que as agências de segurança pública operem de forma transparente, justa e imparcial, especialmente quando se trata de proteger os direitos e a segurança das minorias religiosas no Paquistão.
O que deveriam fazer a Europa e o Ocidente para apoiar as minorias religiosas no Paquistão?
Quando autoridades do governo paquistanês visitam países europeus, ou quando representantes de governos europeus viajam até ao Paquistão, a questão dos direitos humanos – especificamente os direitos das minorias religiosas – deve ser colocada em primeiro plano nas discussões. Ênfase especial deve ser dado ao direito à liberdade de religião, frequentemente violado no Paquistão. Os líderes europeus devem utilizar os canais diplomáticos para pedir consistentemente ao governo paquistanês para defender e proteger os direitos das minorias religiosas.
As leis de blasfémia no Paquistão são frequentemente utilizadas indevidamente para atingir minorias religiosas, incluindo cristãos, levando a acusações injustas e violência. Os governos europeus devem assumir um papel ativo no apoio a famílias que enfrentam acusações genuínas de blasfémia. Esse apoio pode assumir a forma de assistência jurídica, proteção a indivíduos ameaçados e advocacy para garantir julgamentos justos. Além disso, deve-se exercer pressão internacional para alterar ou revogar essas leis, a fim de evitar o seu uso indevido.
Uma forma eficaz de capacitar minorias religiosas no Paquistão é através da educação. Os países europeus podem oferecer bolsas de estudo a estudantes cristãos, proporcionando-lhes oportunidades de frequentar o ensino superior. Tais iniciativas não ajudam apenas a quebrar o ciclo da pobreza, como também promovem o diálogo e a compreensão inter-religiosa. A educação desempenha um papel fundamental na melhoria das perspetivas das minorias religiosas e na promoção de uma cultura de tolerância e coexistência.
E há outras ações possíveis?
Para melhor abordar os desafios jurídicos enfrentados pelas minorias religiosas, a Europa e o Ocidente devem considerar a criação de equipas de assessoria jurídica que possam fornecer orientação e apoio aos necessitados. Essas equipas poderiam ajudar a lidar com o sistema jurídico, oferecer serviços pro bono às vítimas de perseguição religiosa e prestar aconselhamento sobre casos de violações de direitos humanos. Profissionais jurídicos da Europa poderiam colaborar com organizações locais paquistanesas para fortalecer a sua capacidade de defender os direitos das minorias.
A Europa e o Ocidente também podem oferecer abrigo e proteção às minorias religiosas que correm risco de violência ou perseguição no Paquistão. Isso pode incluir a oferta de asilo temporário a indivíduos ou famílias que enfrentam ameaças imediatas à sua segurança devido à sua fé. A proteção de representantes legais e ativistas que defendem minorias religiosas é igualmente importante, visto que são frequentemente vítimas de assédio e intimidação. Garantir a segurança física de indivíduos perseguidos e dos seus representantes legais é essencial. A Europa e o Ocidente podem defender o estabelecimento de ambientes seguros para aqueles que estão em risco, seja através de proteção física ou de intervenções legais e diplomáticas.
Apoio de longo prazo, incluindo assistência financeira e programas de reintegração, pode ser disponibilizado àqueles que fugiram da perseguição e estão a reconstruir as suas vidas. A Europa e o Ocidente têm um papel vital a desempenhar no apoio às minorias religiosas no Paquistão. Ao consciencializar, oferecer assistência prática e usar influência diplomática, podem ajudar a proteger os direitos das comunidades minoritárias.
Através de ações como a prestação de assistência jurídica, oportunidades educacionais e proteção a indivíduos perseguidos, a Europa pode contribuir significativamente para a promoção da tolerância religiosa e o avanço dos direitos humanos no Paquistão. A proteção das minorias religiosas não é apenas uma obrigação moral, mas também um pilar fundamental para a promoção de uma sociedade pacífica e inclusiva.
Sendo padre, sente-se em perigo? A comunidade cristã que acompanha sente-se ameaçada e com medo?
Sinto uma sensação de perigo, e a comunidade cristã a quem sirvo também se sente ameaçada e amedrontada. Os riscos aumentam quando me solidarizo com as famílias de vítimas acusadas de crimes baseados em preconceito, ódio e inveja, que frequentemente são falsas acusações.
Apesar disso, tais crimes ainda são puníveis com a morte pela Constituição paquistanesa, especificamente pela lei da blasfémia, que prevê a pena de morte como única punição. Ao tornar-me numa voz para os que não têm voz e ao estar ao lado dessas famílias, muitas vezes encontro-me em oposição direta àqueles que apoiam e impõem a injustiça. Isso, sem dúvida, coloca a minha vida em risco. No entanto, acredito que sou chamado a servir aqueles que são injustamente condenados e punidos por causa da sua fé em Jesus Cristo.
Que situações vê no dia a dia que mostrem a perseguição a que as minorias estão sujeitas?
Os cristãos paquistaneses deparam-se com diversas formas de perseguição e discriminação. Independentemente da sua denominação, os cristãos no Paquistão são submetidos a dificuldades significativas.
Uma das questões mais preocupantes é a conversão forçada de meninas e mulheres cristãs. Essas pessoas são frequentemente forçadas a converterem-se ao islão, às vezes através de casamento ou falsas acusações. Essa perseguição às mulheres cristãs é motivada por diversos fatores, incluindo a pobreza, que força muitas a trabalhar em ambientes domésticos, fábricas ou até mesmo escritórios, onde ficam vulneráveis à exploração.
Outro problema grave é o uso indevido das leis de blasfémia do Paquistão, que, com frequência, são usadas como armas para atingir cristãos. Essas leis levam a falsas acusações, violência e, em alguns casos, à morte. A ameaça de acusações de blasfémia cria um clima de medo e insegurança na comunidade cristã, pois os indivíduos podem ser perseguidos com base em alegações falsas ou não comprovadas. No setor educacional, os cristãos também sofrem discriminação sistémica. Estudantes cristãos lidam regularmente com agressões verbais e exclusão nas escolas. Essa discriminação pode prejudicar o seu aproveitamento escolar e limitar as suas oportunidades no futuro.
E no trabalho?
A discriminação no emprego é um problema generalizado. Os cristãos enfrentam barreiras significativas na procura de emprego. Mesmo aqueles que conseguem encontrar trabalho são frequentemente submetidos a salários desiguais e tratamento discriminatório, reforçando a sua condição de cidadãos de segunda classe. Infelizmente, essas circunstâncias resultam com regularidade em dificuldades económicas de longo prazo, já que muitos cristãos permanecem presos em empregos de baixa remuneração e com poucas oportunidades de crescimento.
Locais de culto cristãos também são alvos de repetidos ataques. Igrejas e casas de cristãos foram destruídas, resultando na destruição de propriedades e no deslocamento de famílias. Esses ataques fazem parte de um padrão mais amplo de violência que visa ameaçar a comunidade cristã.
A exclusão social é outro desafio que atinge os cristãos. Eles deparam-se com frequência com restrições às suas interações sociais e são excluídos de muitos aspetos da vida comunitária. Essa exclusão isola-os ainda mais da sociedade e limita as suas oportunidades de integração social. Essas questões generalizadas destacam a necessidade urgente de maior compreensão, tolerância e proteção dos direitos das minorias no Paquistão. A comunidade cristã continua a enfrentar perseguição e discriminação sistémicas, o que exige atenção imediata e ações significativas para garantir que a sua segurança, dignidade e direitos sejam respeitados.
Quais são as características das comunidades onde o padre Lazar Aslam está ao serviço?
Eu sirvo a comunidade cristã em Lahore, no Paquistão, como superior da comunidade franciscana do Convento de São Francisco. As minhas funções pastorais abrangem duas paróquias: a paróquia de São Francisco e a paróquia de Santa Clara. De acordo com o Censo de 2023, o distrito de Lahore tem uma população total de 13.004.135 habitantes. Os cristãos representam aproximadamente cinco por cento da população, o que equivale a cerca de 650.000 indivíduos. No entanto, com base nos registos paroquiais, estima-se que o número real de cristãos na nossa comunidade seja de cerca de 29.600.
Na paróquia de Santa Clara há 3.300 famílias – 1.800 são católicas, e 1.500 são protestantes e de outras denominações. A população total é de aproximadamente 13.200 habitantes. A paróquia de São Francisco conta com 4.100 famílias – 2.300 são católicas e 1.800 são protestantes e de outras denominações. A população total é de aproximadamente 16.400 habitantes. Apesar dos desafios, a nossa comunidade continua a crescer e a prosperar. Permanecemos comprometidos em servir e apoiar-nos uns aos outros, mantendo a nossa fé e contribuindo para a vida social e cultural de Lahore.








