Ilustração: David Oliveira | Texto: Teresa Carvalho

João, menino terno e perspicaz, vive com Mãlinda e os seus tios, filhos de Mãlinda.
Foi João que deu o nome a Mãlinda, quando a sua mãe Natália saiu de casa e nunca mais voltou – já há oito anos que nem João nem Mãlinda nem os tios de João sabem dela.

Agora, com 10 anos, João diz que seria quase tudo bom se os seus tios não chegassem a casa alcoolizados e não fizessem barulho, nem falassem de noite e respeitassem a avó Mãlinda. Seria quase tudo bom se os tios não levassem o dinheiro da avó sem lhe pedir e não se zangassem com ela quando Mãlinda não acerta na ementa que eles queriam para o jantar; ou se eles não lutassem um com o outro até ficarem magoados. Muito bom, mesmo muito bom seria, se todos os dias fossem como naquele dia em que ele e os tios jogaram futebol e foi ele quem marcou mais golos. A avó até parou para ir ver. E nesse dia, Mãlinda tinha os olhos mais felizes e mais brilhantes que João já vira. Como eram lindos!.

Depois desse dia, João olhava muitas vezes para os olhos de Mãlinda na esperança que ela tivesse os olhos lindos e felizes de novo. Mas saia derrotado neste seu jogo – talvez porque os tios não voltaram a querer jogar futebol, nem a rir, nem a dar abraços nem falar amigo, como naquele dia especial.

Um dia, João teve uma ideia que até o fez saltar por ser tão brilhante. Iria contá-la a Mãlinda e talvez que ela a tornasse possível, porque Mãlinda sabia fazer isso… transformar os desejos de João em realidade.
– Mãlinda, lembras-te da tia Emília? Achas que ela nos emprestava a casa para vivermos lá os dois sozinhos?
– Não, João! A casa é da tia Emília. Ela precisa dela para férias! E os tios precisam de nós aqui!

E pronto, João aquietou o seu sonho, mas Mãlinda não: o seu Joãozinho tinha razão. Continuar assim era matar a vitalidade de vida de João e dela própria. Depois de tudo o que tentara e fazia diariamente, os seus dois filhos mantinham-se cativos na violência. Havia que tomar uma medida para libertar João e a ela própria. E quem sabe, conseguiria que os filhos também?

O contacto de Mãlinda com a sua irmã Emília, encheu-lhe o coração! Tinha casa! Iria começar de novo, em dias sem gritos, sem desqualificações, sem desrespeitos, sem aquela dor…

João corria, saltava, ria sem parar, cantando aos quatro ventos: vamos mudar de vida hoje!
Instalada no novo mundo, a respirar o calor dos abraços que partilhava com João, Mãlinda não conseguiu afastar-se dos filhos que amava, andando num vaivém de atividade, de sentimentos e de cansaços, entre o trabalho, os cuidados a João e o apoio aos filhos na casa que deixara para trás.

Mesmo assim, a sua vida tinha agora um sol novo que lavava mágoas. A alegria ia surgindo devagarinho, em quadros de esperança, que Mãlinda desenhava com cada gesto de amor.
João, não se cansa agora de olhar e confirmar quão lindos são os olhos de Mãlinda! E na sua verdade de criança, vai-lhe confirmando ao ouvido: és tão linda, Mãlinda!