O momento era cheio de emoção. Gabriela, a enfermeira chefe risonha, brincalhona, atenta, sempre disponível, despedia-se dos colegas e dos doentes. Iniciava agora o seu tempo de descansar, depois de 45 anos dedicada a uma causa em que acreditava: curar dores. Era ótima a curar dores: dores de corpo e dores de alma!
Gabriela fechou a porta, levando consigo um obrigado gigante. Ali, foi acarinhada por pessoas que foram importantes para si e que lhe permitiram perceber quanto ela tinha para dar, e para receber. Percebeu que era tão importante saber receber como saber dar. E nessa troca, encontrou afetos e sentimento de realização.
No dia seguinte, pela manhã, aquela mulher pequenina que distribuía acolhimento e generosidade, seria substituída naquele serviço e naquele hospital por um sentimento de vazio triste.
Do outro lado da sua vida, tinha já pessoas à sua espera. Havia doentes no sítio onde vivia, que costumavam usar a sua casa como socorro nos momentos de aflição, ou que esperavam a sua visita em casa… que lhes levava algum tipo de alento e de apaziguamento da dor, ainda que tivesse o nome de solidão.
O grupo de voluntários na ajuda às famílias com menos recursos, já estava a contar com ela como reforço. Com aquele seu dom de compreensão sem criticar, que lhe permitia admirar e respeitar quem encontrava na vida, Gabriela conseguia entrar na vida daqueles que guardavam as dores só para si, por não confiarem em ninguém. Mas, com Gabriela ao lado, não havia razão para esses medos.
E tinha os netos! Netos que corriam a dependurar-se nos braços da avó, ou a jogar com ela às escondidas para poderem ouvir as suas gargalhadas quando a descobriam atrás da cortina, que era o sítio sempre usado: o sítio da avó.
Gabriela era assim: havia tanto a fazer que não havia tempo para não rir, para não ajudar, para não cuidar, para não respeitar, para não estar atenta, para não encontrar soluções, para não ir ao encontro de quem tem dor. Ela tornou-se uma especialista da transformação do tempo: tempo de dor, em tempo de rir. E foi isto que foi fazendo, e que melhor sabia fazer
Gabriela guardava um segredo que alimentava esta sua paixão pelos outros e paixão pela vida: fazia da sua vida uma oração. Era uma oração feita de conversa com um Deus em quem acreditava e que sentia presente, ao seu lado, a impulsioná-la e orientá-la, e que se prolongava e envolvia a ação de todos os dias.
Este seu segredo tornava-a arrojada. Por isso, passou a ser vista em diversos serviços, sentada, à espera de falar com alguém que pudesse resolver os problemas daqueles que ela ia encontrando ou que a procuravam, a precisar de esperança e de soluções. E quando Gabriela não tinha soluções para apresentar, nunca faltou a sua canção de esperança e o apaziguamento da dor de que era especialista.
Quanto mais fazia, mais Gabriela via por fazer. Por isso, concentrou os seus esforços em alargar o grupo daqueles que sabiam apaziguar dores. Envolveu-os no grupo de voluntários. Hoje, o seu grupo percorre toda a sua freguesia, distribuindo uma esperança que leva o sol aos espaços mais escuros.
Agora, quanto mais querem ver, querem saber, nem Gabriela nem os restantes voluntários, ninguém tem tempo a perder.








