Com exceção da ponta sul, a Gronelândia fica a norte do círculo polar ártico. E 80 por cento do território está coberto por uma capa de gelo. Perante esta situação, percebe-se historicamente a dificuldade em fixar populações. Hoje, apesar de ser 23 vezes maior do que Portugal, a ilha tem cerca de 60 mil habitantes, ou seja, menos do que cidades como Setúbal ou Coimbra. E desses 60 mil, um terço vive em Nuuk, a capital.
Mas essa proximidade com o polo norte dá extrema importância à ilha, e tanto durante a Segunda Guerra Mundial, para prevenir uma eventual invasão pela Alemanha Nazi, como durante a Guerra Fria, para dissuadir qualquer intervenção da Rússia comunista, os Estados Unidos da América (EUA) sempre mantiveram uma presença militar, com destaque para a base de Pituffik, antes chamada de Thule, no norte da Gronelândia, na costa virada para o Canadá.
Formalmente, a Gronelândia é governada pela Dinamarca, que desde 1979 e sobretudo desde 2009 concedeu vasta autonomia aos gronelandeses, na sua grande maioria inuites, ou esquimós. Serão 85 por cento da população, e os de origem dinamarquesa uns dez por cento. Há também pequenas comunidades imigrantes, a maior das quais atualmente é a filipina.
A ilha, que é a maior do mundo se considerarmos a Austrália um continente, tem sido muito falada nos últimos meses por causa das declarações de Donald Trump sobre o interesse dos EUA em controlar o território, até mesmo anexá-lo pela força. A reação do primeiro-ministro da ilha, Jens-Frederik Nielsen, foi muito clara e contundente: “o presidente Trump diz que os EUA ‘ficarão com a Gronelândia’. Deixem-me ser claro: os EUA não ficarão com a ilha. Não pertencemos a ninguém. Nós decidimos o nosso próprio futuro”.
Trump tem destacado o valor geoestratégico da ilha, e também a importância dos seus recursos em petróleo, gás e terras raras, os minérios usados em muitos produtos tecnológicos, como as baterias. O presidente americano promete dar grandes condições de vida aos gronelandeses se vierem a tornar-se cidadãos americanos de livre vontade. Mas já se ofereceu para comprar a ilha e não deixou totalmente de lado a hipótese de intervenção militar para a controlar, substituindo a soberania dinamarquesa. Também o governo de Copenhaga reagiu desagradado com as declarações do presidente dos EUA, que são um aliado da Dinamarca na NATO. E a União Europeia já se solidarizou com a posição das autoridades dinamarquesas.
Se olharmos para a expansão territorial dos EUA, vê-se que parte foi através de guerras, contra os índios e depois em especial contra o México, mas também pela compra de territórios, como a Luisiana à França e o Alasca à Rússia. As verdadeiras intenções de Trump são difíceis de adivinhar, pois na sua retórica de líder do país mais poderoso do mundo até já desafiou o Canadá a tornar-se o 51.º Estado. Mas em relação à Gronelândia, seja Trump ou qualquer outro presidente que vier a seguir, é certo que Washington nunca tolerará lá uma presença de rivais como a Rússia, sucessora da União Soviética, ou da China, a superpotência emergente. E essa mensagem é evidente mesmo para aqueles entre os inuites que admitem um dia optar pela independência.
O clima está totalmente associado à história da Gronelândia. O primeiro povoamento humano terá sido em 2500 antes de Cristo (a.C.), mas essas populações já não existiam quando os primeiros vikings chegaram por volta do ano 1000. Primeiro o norueguês Erik, o Vermelho, e depois o seu filho, Leif Erikson, promoveram a instalação de colonos europeus, vindos diretamente da Escandinávia, ou da mais próxima Islândia. Um século depois ter-se-á dado a instalação dos inuites, esquimós que tradicionalmente viviam da caça às focas e às baleias. Houve alguma interação entre os dois povos, mas o arrefecimento ligado ao que se chama a Pequena Idade do Gelo terá feito desaparecer os povoados de origem viking. Quando no final do século XIV, inícios do século XV, navegantes europeus, incluindo portugueses, visitaram a Gronelândia, já não encontraram qualquer desses povoados. Uma nova era de colonização iniciou-se com os dinamarqueses no século XVIII, e dura até hoje.
A ilha é chamada de Kalaallit Nunaat pelos inuites. Gronelândia quer dizer Terra Verde e pode ter sido uma forma de Erik, o Vermelho, chamar colonos, uma espécie de marketing medieval. Também é possível que há mil anos algumas zonas fossem mais verdes. Agora, as alterações climáticas estão a derreter parte da capa de gelo que cobre quatro quintos da ilha e isso pode permitir a exploração das suas riquezas minerais, explicando a cobiça das grandes potências, e não só os EUA, pois a China mostra interesse por investir na Gronelândia e tê-la como destino de uma rota da seda ártica. O degelo no polo norte também cria novas rotas de navegação, pelo menos no verão, e isso traz igualmente valor geostratégico à ilha.
O futuro político da ilha é uma incógnita. Uma Gronelândia independente seria um micro-Estado em termos de população, mas com 2,2 milhões de quilómetros quadrados seria o 12.º maior país do mundo, maior do que o México, a Indonésia ou o Sudão, que têm, respetivamente 280 milhões de habitantes, 130 milhões e 50 milhões.
O cristianismo é dominante na Gronelândia, hoje com uma esmagadora maioria de luteranos, tanto entre os inuites como entre os dinamarqueses. Esse ramo do protestantismo impôs-se com a nova vaga de colonização pós-século XVIII, mas entre os vikings chegados no século XI havia também cristãos, que coexistiam com os praticantes da tradicional religião pagã nórdica, que tinha Odin como o chefe dos deuses. Só há um padre católico atualmente na Gronelândia, o esloveno Tomaz Majcen, um franciscano.
A comunidade católica, com alguns membros inuites e dinamarqueses, é composta sobretudo por imigrantes filipinos, também alguns latino-americanos e polacos.
Texto: Leonídio Paulo Ferreira, jornalista do DN