A mais recente proposta feita pelo Presidente dos EUA, Donald Trump, sobre o futuro da Faixa de Gaza – que prevê transformar a região na “Riviera do Médio Oriente”, sem que os palestinianos possam habitar nela – deixou em choque o Conselho Mundial de Igrejas, o Patriarcado Latino de Jerusalém e organizações de defesa dos direitos humanos como a Amnistia Internacional, que são unânimes ao denunciar a sua ilegalidade, desrespeito pelo direito internacional e violação dos direitos humanos.
“O Conselho Mundial de Igrejas acredita firmemente que a proposta feita pelo Presidente dos Estados Unidos da América sobre o futuro de Gaza equivale a propor uma limpeza étnica em larga escala e uma neocolonização da terra natal dos dois milhões de palestinianos de Gaza. Ela viola todos os princípios aplicáveis do direito internacional humanitário e dos direitos humanos, desrespeita décadas de esforços da comunidade internacional — incluindo os EUA — por uma paz justa e sustentável para os povos da região e, se implementada, constituiria múltiplos crimes internacionais do tipo mais sério”, afirma o organismo que representa mais de 340 igrejas e denominações cristãs em todo o mundo, num comunicado publicado na última quarta-feira, 5 de fevereiro.
Donald Trump anunciou no dia antes, numa conferência de imprensa conjunta com o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, após o seu encontro na Casa Branca, que os Estados Unidos “tomarão conta” da Faixa de Gaza e supervisionarão a sua reconstrução, e os palestinianos que aí habitam serão reinstalados “permanentemente” fora do território devastado pela guerra. “Faremos o que for necessário. Se for necessário, enviaremos tropas. Vamos assumir aquela zona e vamos desenvolvê-la”, sublinhou. Por sua vez, Netanyahu mostrou-se convencido de que a “disposição” de Trump “de pensar fora da caixa com ideias novas ajudará a alcançar todos os objetivos” de Israel.
Mas, para o CMI, não restam dúvidas: “Vinda depois de tantos meses de violência desenfreada, morte, destruição e deslocamento infligidos à população de Gaza pelas forças armadas israelitas, apoiadas pelos EUA, esta proposta para a limpeza étnica do território revela o objetivo final inconcebível deste conflito, há muito buscado por elementos extremistas na política e na sociedade israelita”, pode ler-se no comunicado, assinado pelo secretário-geral da organização, Jerry Pillay.
“A proposta do Presidente Trump está em flagrante desrespeito pelos direitos fundamentais do povo de Gaza, que tem lutado e sofrido por tantas décadas. Portanto, deve ser inequivocamente rejeitada por todos os membros responsáveis da comunidade internacional e por todas as pessoas de boa vontade”, pede o CMI, apelando diretamente a Trump para “reconsiderar esta proposta vergonhosa e respeitar o direito internacional e a dignidade humana e os direitos iguais do povo de Gaza”, e instando as igrejas e comunidades cristãs em todo o mundo “a levantarem as suas vozes em defesa da justiça, a defenderem a proteção das vidas e direitos palestinianos e a pressionarem os seus Governos a rejeitarem qualquer proposta que facilite a limpeza étnica e a ocupação permanente”.
Onde fica a solução dos dois Estados?
Quem também rejeita o “Plano Trump” é o bispo auxiliar de Jerusalém e vigário patriarcal para a Palestina, William Shomali, que em entrevista à agência italiana SIR afirmou que “é inconcebível pensar em deslocar um povo contra a sua vontade, assim como é impensável forçar outro estado a acolhê-lo”. “Se a reconstrução de Gaza exige a limpeza da área de minas, bombas não detonadas e escombros – um trabalho que pode levar anos – realocar a população é possível, mas apenas garantindo o seu direito de retorno e não forçando-a a ficar do lado de fora depois de a área ter sido reconstruída”, salvaguarda.
“As declarações de Trump chocaram-nos porque nos fizeram entender as suas intenções em relação ao futuro de Gaza. O Egito e a Jordânia já disseram que não aceitam esse plano que prevê um êxodo em massa de palestinianos. É diferente aceitar famílias vulneráveis, idosos, doentes, mas não uma população de mais de dois milhões de pessoas”, afirmou o bispo católico, em representação do Patriarcado Latino de Jerusalém. “Está em jogo os respeito pelos direitos humanos”, sublinhou.
William Shomali assinalou ainda que “Trump e Netanyahu nunca falam sobre as resoluções da ONU e a solução Dois Povos, Dois Estados” e defendeu que “o ponto crucial da questão” é se haverá um Estado palestiniano. “O conflito surge dessa questão sem resposta. O mundo inteiro fala sobre isso, até mesmo Trump, mas sem realmente entrar em detalhes sobre uma solução justa e sustentável. O Estado palestiniano, para os dois líderes dos EUA e de Israel, continua a ser um princípio vago”, lamentou, deixando o apelo: “Precisamos de chegar à raiz do conflito: a posse desta terra. A solução é a solução dos dois Estados. Se caminharmos nessa direção chegaremos ao fim do conflito”. Mas, se isso continuar a ser evitado, “a paz na Terra Santa continuará a ser um sonho”, concluiu.
Uma luta com décadas
“Nenhum Estado tem o direito de tratar uma população protegida que vive sob ocupação como peões num jogo de xadrez geopolítico”, alertou por seu lado a secretária-geral da Amnistia Internacional, Agnès Callamard, em comunicado enviado ao 7MARGENS.
“Qualquer plano para deportar à força os palestinianos para fora do território ocupado contra a sua vontade é um crime de guerra e, quando cometido como parte de um ataque generalizado ou sistemático à população civil, constituiria um crime contra a humanidade”, afirmou perentoriamente a responsável pela organização de defesa de direitos humanos.
Callamard considera que a linguagem de Trump nas declarações de terça-feira “é inflamatória, ultrajante e vergonhosa”, e a sua proposta “equivale a uma violação flagrante do direito internacional”. E recorda que “a maioria dos palestinianos de Gaza são descendentes e sobreviventes da Nakba de 1948, já foram repetidamente desenraizados e expropriados por Israel e viram negado o seu direito de regresso, mas continuaram a lutar para permanecer nas suas terras e defender os seus direitos humanos”.
Neste momento, conclui, “é mais importante do que nunca que o resto da comunidade internacional rejeite categoricamente estas propostas e acelere os esforços diplomáticos, em linha com o direito internacional, para pôr fim à ocupação ilegal de Israel, desmantelar o apartheid e defender os direitos humanos dos palestinianos e dos israelitas”.
Organizações pedem fim dos negócios com colonatos de Israel
Numa carta aberta dirigida a Ursula Von Der Leyen, 163 organizações portuguesas e europeias de direitos humanos, incluindo a Amnistia Internacional, sindicatos e grupos da sociedade civil desafiaram já esta semana a Comissão Europeia a tomar medidas para proibir todo o comércio e negócios entre a União Europeia (UE) e os colonatos ilegais de Israel no Território Palestiniano Ocupado.
A missiva afirma que esta é uma ação essencial para que a UE e os seus Estados-Membros cumpram as suas obrigações ao abrigo do direito internacional.
“Tendo em conta a necessidade urgente de respeitar o direito internacional e de pôr termo à contribuição da UE, dos Estados-Membros e das empresas para os graves abusos cometidos por Israel, estas organizações apelam à Comissão para que, imediatamente, introduza legislação para proibir o comércio e os investimentos nos colonatos” e, enquanto se aguarda a adoção de tal legislação, publique “um documento consultivo reforçado que desencoraje as empresas europeias de atividades que beneficiem os colonatos israelitas”.
Texto redigido por Clara Raimundo/jornal 7Margens, ao abrigo da parceria com a Fátima Missionária.