Luzia recebia mensagens de todo o lado. A todos, deixava um agradecimento sentido e algo envergonhado por se lembrarem dela. Os seus 82 anos de vida, quase sem rugas, povoaram o seu mundo de amigos. “Amigos” que ela apelidava de “bênção de Deus”, porque os sentia como presente de Deus.
Os seus olhos sorriam por dentro – uma alegria que deixa escapar em gargalhadinhas suaves e gestos ternos.
É religiosa numa pequena comunidade, onde é uma das cuidadoras das “irmãs velhinhas”, como ela carinhosamente trata as outras religiosas da sua comunidade.
Irmã Luzia diz que nunca fez nada de especial: “só cozinhei e rezei. Ah, e também dei catequese durante alguns anos!”
Contudo, todos sabem o quanto ela é. Na retaguarda, de voz baixa, tranquila, tentando passar despercebida, lá estava a irmã Luzia atarefada, de faces rosadas pelo calor da panela, a provar o tempero do caldo ou a massa dos rissóis. Tudo deveria ficar saboroso. Era o “jeito saboroso de amar”!
Quem entrava naquela casa, tinha um lugar de visita obrigatória: a cozinha. Lá, havia um abraço afetuoso pronto a aconchegar. E mesmo resistindo, não se conseguia escapar a um miminho fresco a que se juntava uma lata de biscoitos amorosamente preparados para levar na bolsa.
Do seu lugar, Luzia rezava em silêncio, ou cantava baixinho. Gostava tanto destas conversas de proximidade com o seu Deus, onde tudo era dito, confiado e apaziguado. Por isso, sempre que podia fazia “publicidade à oração” com uma técnica que nunca falhava: uma pergunta sorrateira que abria caminho para a conversa:
– Então, tens falado muito com Nosso Senhor?
Se tivesse como resposta um “não”, logo rematava com uma risadinha lançada com um olhar próprio de quem oferece um bombom:
– Não te esqueças que Ele está à espera da tua conversinha.
E a sua questão ficava por ali – assim, sem forçar, sem julgar, sem instruir. Só tocar à campainha e deixar acontecer, livremente.
Luzia nunca estudara para além da 4ª classe do seu tempo, mas tinha a pedagogia do respeito, do interesse pela pessoa que encontrava, importava-se com ela, queria saber como estava, como vivia. E depois de saber, punha-se em movimento se precisassem dela ou dos seus contactos.
Era pequenina de tamanho, e era assim que se via: não uma “pequenina” por ser “sem valor”, mas “pequenina” por ter tanto para crescer. O interessante é que media a todos pela medida grande, deslumbrada com o que eram capazes de fazer, de superar, de sonhar. Talvez por isso, tinha sempre histórias maravilhosas para contar, onde havia sempre pessoas a ocupar lugares de pedestal, por mais humildes que se pudessem considerar.
Irmã Luzia não o fazia por usar lentes cor de rosa. Era mais por usar lentes que iam ao fundo do coração da pessoa que encontrava, e por querer ver mais fundo, via de verdade. O seu desejo de conhecer a pessoa, era capaz de a amar, e sem darem conta, ficavam presas pelo coração.
Como aprendeu isto, a irmã Luzia? Aprendeu certamente com o coração – ou já o trazia consigo desde sempre, talvez! Pois, já o trazia consigo, certamente, tão genuína e natural que era!
Haverá forma de o aprender? Se sim, e se é por aprendizagem, talvez um dia o consiga aprender também!
Texto: Teresa Carvalho | Ilustração: David Oliveira