Os desígnios de Deus são insondáveis, e por isso Ele quis que uma jovem nascida e criada no meio dos Missionários do Espírito Santo acabasse a realizar uma experiência missionária com os Missionários da Consolata. Esta aventura repleta de incertezas e reviravoltas começou a 20 de outubro de 2023. Fui à reunião de apresentação do grupo de voluntariado da Consolata da zona Sul com o intuito de fazer uma experiência missionária de um mês com o meu namorado. Saí três horas depois com a proposta de ir um mês com aquele grupo, e de prolongar a missão já sem eles, integrada na comunidade das Irmãs Missionárias da Consolata. O destino estava longe de ser aquele que eu tinha idealizado, e ainda bem.
Em 2022 tinha feito uma experiência missionária na Guiné-Bissau, e rezei muito para voltar a essa “terra di mi korson”. Contudo, Ele trocou-me as voltas e ficou decidido que o grupo iria partir para Moçambique. Como éramos um grupo muito grande, teríamos de ser divididos. Uns iriam para Massinga, uma cidade no litoral da província de Inhambane, e outros iriam para Funhalouro, uma zona mais rural. Mais uma vez, rezei muito para ir para Funhalouro. Queria ir para o local mais recôndito possível. Afinal, na minha cabeça, isso é que era missão ‘a sério’. Claro que fui enviada para Massinga, a cidade “grande” onde me iria perder e sentir sozinha.
Massinga acabou por ser uma grande surpresa. A cidade grande tornou-se rapidamente muito familiar. No primeiro mês, acompanhada pelo grupo, foi altura para me deslumbrar, para ver tudo o que de bom o país, a cidade, a comunidade paroquial e a missão tinham para oferecer. Éramos um grupo de dez jovens, acompanhados por um padre, e procurávamos incessantemente um propósito para a missão. Acabámos por descobrir múltiplos propósitos e por abraçar diversos projetos. Aprendi a viver em grupo, a comprometer-me e a dar-me, não só à comunidade que nos acolhia, mas também aos meus companheiros de missão, que são agora companheiros de vida.
Depois de um mês de agenda cheia, vi os meus companheiros regressarem a Portugal e comecei uma nova fase nesta experiência, que posso nomear de “Choque e conversão”. Primeiramente o choque. Sem os meus colegas vi-me mais exposta à dura realidade da cidade, ao crime, aos vícios, à gravidez na adolescência e à indiferença. Depois iniciou-se o período da campanha eleitoral, que levou às eleições e, posteriormente, à divulgação dos resultados eleitorais e ao início das contestações. Pude testemunhar as fraudes eleitorais, discutir política com candidatos à presidência do município e ainda, ver os meus amigos de Massinga a perder a réstia de esperança que tinham no sistema. Fui uma privilegiada por poder acompanhar a comunidade nesta altura conturbada, e por conseguir perceber, talvez pela primeira vez na vida, a sorte que tenho por viver em plena democracia, e não numa democracia de fachada.
Estes dois meses sem os meus colegas foram também tempo de conversão. Passei a minha vida a achar que fazia missão, mas na verdade andava por aí a fazer voluntariado. Sempre achei que fazer coisas era o principal da missão e que a oração era acessória, que era algo que incluíamos na agenda se houvesse um espacinho livre. Essa crença mudou. Não é possível estarmos integrados numa comunidade de irmãs sem rezar, principalmente quando a família consolatina se preparava para uma data tão importante: a canonização do seu fundador.
Eu, nascida e criada espiritana, conhecia vagamente o nome José Allamano, mas não conhecia a sua história, as suas palavras e a vasta obra que deixou. Passei de não saber nada, para passar a meditar nas suas palavras diariamente e a tentar aplicá-las na minha vida. Deixei o cansaço de lado e passei a ir às laudes diariamente. Esqueci o medo do silêncio, e passei a aproveitar verdadeiramente a Adoração ao Santíssimo que tínhamos duas vezes por semana. A oração deu sentido à minha missão e passou a guiá-la. Não fiz grandes coisas em Massinga. Limitei-me a tentar “fazer o bem, bem feito” e a “tornar o ordinário extraordinário”, como dizia Allamano. A minha ‘tarefa’ foi estar, estar verdadeiramente, e entregar-me por inteiro a Deus e à comunidade de Massinga. Quem conhece Massinga, jamais esquece, e eu, certamente, não me esquecerei dela e das suas gentes, da música, de todas as horas passadas a dançar, das conversas e dos amigos.
Texto: Sara Correia