Foto: WFP / Jonathan Dumont

Por ocasião dos nove anos do conflito armado no Iémen, que eclodiu em março de 2015, a organização Amnistia Internacional (AI) lembra que “milhões de iemenitas continuam a sofrer”, e salienta que este Estado africano “continua a viver uma das piores crises humanitárias do mundo”. De acordo com dados do Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), há hoje “cerca de 4,56 milhões de pessoas deslocadas devido ao conflito e mais de 70 mil refugiados e requerentes de asilo”.

Segundo o Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários da ONU, há no Iémen “18,2 milhões de pessoas necessitam de assistência e proteção humanitária”. Há também “pelo menos 17,6 milhões de pessoas” a enfrentar “dificuldades relacionadas com insegurança alimentar e nutricional”, sendo que “metade das crianças iemenitas com menos de cinco anos sofrem de atraso de crescimento moderado a grave devido à insegurança alimentar”.

Restrições na educação

Além das dificuldades no acesso à alimentação, duas em cada cinco crianças, ou 4,5 milhões, estão fora da escola, segundo um relatório da organização Save the Children, intitulado Hanging in the balance: yemeni children’s struggle for education (Em suspenso: a luta das crianças iemenitas pela educação). Um terço das famílias inquiridas no âmbito deste trabalho de investigação tem pelo menos uma criança que abandonou a escola nos últimos dois anos, apesar da trégua mediada pela Organização das Nações Unidas que entrou em vigor em 2022.

A análise da Save the Children concluiu que as crianças deslocadas são duas vezes mais suscetíveis de abandonarem a escola, e apesar do seu regresso à sua área de origem reduzir em 20 por cento a vulnerabilidade ao abandono escolar, a insegurança constante impede o seu regresso a casa. Além da violência, as propinas e o custo dos manuais estão a colocar a educação fora do alcance de muitos, com 20 por cento das famílias a afirmar que esta é inacessível. Mais de 44 por cento dos cuidadores e das crianças inquiridas referiram que a necessidade de apoiar os rendimentos das suas famílias são a principal razão do abandono escolar.

Hani, um professor de 48 anos citado pelos serviços de comunicação da Save the Children, conta que se viu obrigado a retirar duas das suas quatro filhas da escola devido aos elevados custos. “As despesas escolares de cada criança podem chegar a mais de 25 por cento do meu salário”, lamentou o docente. Já Rami, de 12 anos, partilha que trocou a escola pelo trabalho. “Como posso ir para a escola quando sei que não podemos pagar as nossas despesas e que os meus irmãos precisam de comida? Tenho de deixar a escola e trabalhar”, afirma o rapaz.

É necessário “um cessar-fogo oficial”

Mohamed Mannaa, diretor interino da Save the Children no Iémen, destaca por seu lado a importância de um cessar-fogo oficial no país. “Embora a trégua tenha reduzido alguma violência, nunca trouxe a estabilidade que as famílias necessitam desesperadamente para reconstruir as suas vidas. Acima de tudo, as famílias no Iémen precisam de um cessar-fogo oficial. Sem ele, as famílias ficam no limbo. Não podemos permitir que as crianças do Iémen, que anseiam por nada mais do que segurança e a oportunidade de aprender, percam de vista um futuro repleto de possibilidades. Todas as crianças no Iémen merecem crescer com segurança, acesso a uma educação de qualidade e um horizonte promissor. Quanto mais esperarmos, mais difícil será alcançar um impacto duradouro.”

Segundo a Save the Children, sem uma intervenção imediata, “toda uma geração corre o risco de ficar para trás, com consequências a longo prazo para a recuperação e o desenvolvimento do país”. A organização não governamental apela a todas as partes interessadas, incluindo as autoridades iemenitas, Estados doadores, instituições e intervenientes humanitários, para que lidem com estes desafios de forma urgente.

Um ciclo de impunidade

Ainda no contexto dos nove anos deste conflito, a AI apela à comunidade internacional para que crie um “mecanismo internacional independente de responsabilização, que investigue e divulgue publicamente as violações e os abusos mais graves do direito internacional cometidos” no país, e pede para que as “provas sejam recolhidas e preservadas para futuros processos penais e pedidos de indemnização”.

A diretora regional adjunta da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África, Grazia Careccia, explica de que forma a vida da população é afetada pelo conflito: “Ainda que um cessar-fogo de facto tenha resultado num declínio das hostilidades em comparação com os anos anteriores, as partes envolvidas no conflito no Iémen continuam a realizar ataques ilegais, a cometer assassinatos de forma impune e a restringir a circulação e distribuição de ajuda. O Iémen já enfrenta uma das piores crises humanitárias em curso no mundo e a recente intensificação militar no país, na sequência dos ataques aéreos dos EUA e do Reino Unido contra alvos huthi, pode agravar a situação.”

A Amnistia Internacional refere que a documentação que tem em sua posse mostra a forma como o “clima de impunidade generalizada no Iémen tem encorajado os autores de violações graves dos direitos humanos, como detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados, tortura e julgamentos injustos contra defensores dos direitos humanos, jornalistas ou qualquer pessoa considerada opositora ou crítica das diferentes autoridades no terreno”.

Grazia Careccia realça que é fundamental colocar um fim ao ciclo de impunidade atualmente existente. “É crucial um mecanismo internacional independente de responsabilização que abra caminho à responsabilização criminal e proporcione uma reparação efetiva às vítimas, para pôr fim ao ciclo de impunidade. Ao continuar a ignorar a responsabilização, a comunidade internacional não só está a falhar com as vítimas no Iémen, mas também a alimentar um clima geral de impunidade em que os crimes ao abrigo do direito internacional não verão qualquer declínio no Iémen, mas também fora dele.”