Miguel Oliveira Panão - Professor Universitário e autor do livro “Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo”

Quando o anjo Gabriel anunciou a Maria que Deus a queria para Mãe do Salvador, Maria disse – ‘Fiat’, em latim, isto é, “Faça-se”, em português – o que corresponde ao ‘Sim’ de Maria a Deus. Hoje estamos diante de uma realidade ‘Fiat’ bem diferente. A realidade das Ferramentas de Inteligência Artificial Treinadas (FIAT), nas quais muitos confiam. Será que deviam? A mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz, celebrado a 1 de janeiro, é intitulada “Inteligência artificial e paz”, e não podia ser mais atual e urgente.

“A dignidade intrínseca de cada pessoa e a fraternidade que nos une como membros da única família humana devem estar na base do desenvolvimento de novas tecnologias e servir como critérios indiscutíveis para as avaliar antes da sua utilização, para que o progresso digital possa verificar-se no respeito pela justiça e contribuir para a causa da paz”, escreve o Papa Francisco.

As FIAT afetarão a nossa dignidade digital. Isto é, o valor intrínseco dos dados partilhados e que são usados no treino dos modelos de inteligência artificial. Porém, quando as FIAT são usadas para desinformar, semeiam a desconfiança e a divisão, exigindo algo do ser humano que tem diminuído nos últimos anos. No estudo “Academicamente à deriva”, os sociólogos Richard Arum e Josipa Roksa revelaram como o pensamento crítico, entre outras coisas como os raciocínios complexos e a escrita, têm diminuído nos estudantes universitários. Com o investimento cognitivo prolongado de muitas pessoas a consumir informação nas redes sociais, sem se darem conta, a sua forma de pensar torna-se manipulável, perdendo, também, a sua dignidade digital.

Neste sentido, destaca-se da mensagem do Papa que – “A educação para o uso de formas de inteligência artificial deveria visar sobretudo a promoção do pensamento crítico” – apelando ao desenvolvimento de um dom de Deus: o discernimento. As ferramentas que usamos acabam sempre por moldar o modo como pensamos. Qualquer tecnologia serve para resolver problemas, mas cria-os quando mal usada e compreendida. As FIAT serão capazes de ligar pontos dispersos no mar de informação, mas nunca serão capazes de imaginar o inimaginável como, aparentemente, nós fazemos, talvez por sermos imagem de Deus. Era inimaginável que Deus se tornasse humano, mas o ‘Fiat’ de Maria com pensamento crítico – “Como acontecerá isso, se eu não conheço homem?” (Lc 1, 34) – mostra-nos o caminho a seguir: pensar bem, antes de dizer ‘Sim’.