Há pouco mais de um ano, o Instituto Missionário da Consolata enviou os seus missionários para Marrocos, para uma cidade que é uma junção fundamental de uma rota migratória. Começou assim uma missão complexa, que tem as características e o potencial para dar vida a muitas atividades missionárias. “A ideia surgiu do trabalho que os Leigos Missionários da Consolata (LMC) em Málaga têm vindo a realizar há anos com migrantes”, explicou Sílvio Testa, um leigo italiano que vive em Espanha.

“Juntamente com o padre Luís Jiménez Fernández, na altura superior dos missionários da Consolata em Espanha, maturou em nós a ideia de iniciar um qualquer tipo de intervenção em Melilla, uma cidade oposta a Málaga, mas no continente africano”, adiantou Sílvio. Melilla, juntamente com Ceuta, constituem uma pequena porção de território espanhol em África, e fazem parte da diocese de Málaga. “Este compromisso levou os LMC a estabelecer relações com outros atores envolvidos no apoio aos migrantes tanto em Ceuta como em Melilla, assim como nas cidades do norte de Marrocos, na diocese de Tânger”, acrescentou o leigo.

Viagens a Marrocos
Entre 2018 e 2019, uma equipa mista de missionários e LMC, da qual Sílvio era também membro, fez três viagens a Marrocos – duas à diocese de Tânger e uma à diocese de Rabat. Durante essas viagens, a equipa contactou várias instituições e organismos envolvidos no trabalho com migrantes.
“Durante a terceira viagem, em abril de 2019, o cardeal Cristóbal López, arcebispo de Rabat, propôs que assumíssemos a paróquia de Oujda, perto da fronteira com a Argélia. As condições eram boas, e parecia ser a missão certa”. Sílvio recorda que nas duas viagens anteriores muitas das organizações contactadas tinham mencionado Oujda como um ponto focal para o fluxo de migrantes que chegam do Sara, mas também para os expulsos pelas autoridades marroquinas. Estavam com Sílvio os padres Edwin Osaleh e José Luís Pereyra.

O pioneiro
“Cheguei a Oujda em novembro de 2020 e comecei a trabalhar com um padre francês que me acompanhou durante vários meses”, recorda Edwin. “Muitos migrantes vêm aqui pedir ajuda depois de uma dolorosa viagem através do deserto. Encontrei uma realidade em que se vive como em família, tenta-se fazer coisas em conjunto, para que se possa reencontrar, pelo menos em parte, aquela atmosfera perdida durante a viagem.” A Edwin juntou-se depois o padre Francisco Giuliani e, em fevereiro de 2022, o padre congolês Patrick Mandondo.

Saúde, acima de tudo
Um dos maiores problemas é o estado de saúde em que os migrantes chegam. “Todos os dias, a qualquer hora, chegam pessoas com os pés em chaga, ossos partidos, ou a cabeça rachada”, refere Sílvio. É preciso estar presente para acolher estas pessoas e tratá-las. É difícil encontrar pessoas que queiram assumir uma missão assim. É um trabalho duro. O fator humano é fundamental. É também muito exigente porque é preciso manter tantas relações: com a saúde pública, com a polícia, com as autoridades.

Mas Edwin está contente e explica como é constituída a equipa. “O projeto também funciona graças à Igreja Evangélica Protestante. Há dois coordenadores – eu e um evangélico. Existe uma boa cooperação ecuménica. Depois há dois médicos, que chegaram aqui como estudantes, um católico e um protestante. Eles são muito importantes devido aos frequentes problemas de saúde daqueles que nos batem à porta”. A equipa inclui também duas freiras espanholas de duas congregações diferentes. São elas as responsáveis pelas mulheres e pelas atividades de formação.

Edwin conta-nos também uma história de esperança: “Entre os responsáveis pelo acolhimento temos um rapaz dos Camarões, que chegou como migrante há seis anos. Costumava dormir aqui fora na rua. Nessa altura, começaram a ser acolhidos migrantes nas instalações da paróquia, e o padre pediu-lhe ajuda. Assim integrou-se, e agora trabalha para os outros migrantes. Ajuda-nos muito, porque sabe reconhecer as diferentes situações”.

“São tantos, entre os 14 e 16 anos de idade”
Os migrantes chegam em grande número. “Não vamos à procura deles. Infelizmente, até somos forçados
a selecionar. Em alguns casos damos-lhes alguma comida e depois eles têm de partir”, explica Edwin. Quem está no serviço de receção tenta compreender a situação daqueles que chegam. São registados os dados, as condições de saúde, informações sobre a viagem. Os mais vulneráveis, cansados ou feridos são imediatamente acolhidos. E depois há os menores não acompanhados: “Por vezes é difícil compreender a situação: dizem ser menores e não o são, ou vice-versa, dependendo do que querem alcançar. Outros dão nomes falsos à polícia”.

Os missionários ajudam-nos a compreender melhor o mundo. “Chegam aqui perdidos, não sabem o que fazer, para onde ir. Têm um sonho, mas é uma fantasia. Pensam que na Europa encontrarão tudo assim que lá chegarem. Nós dizemos-lhes a verdade. Eles ficam algumas semanas, alguns meses. Aqueles que não sabem ler e escrever, ajudamo-los com cursos. Também tentamos contactar as suas famílias. São tantos, entre os 14 e 16 anos de idade”. Os missionários também lhes proporcionam a oportunidade de frequentar cursos de formação profissional, se estiverem interessados, em áreas como a eletricidade, a mecânica, ou a cozinha, por exemplo. Também colaboram com as embaixadas dos vários países quando há problemas de documentação.

“Quando aqui chegam, deparam-se com três possibilidades: ir para a Europa, o que muito poucos conseguem, ficar em Marrocos, mas até mesmo conseguir os documentos para trabalhar aqui é complicado, e a terceira possibilidade é regressar ao seu país. Há aqueles que querem fazer a mesma viagem de regresso, mas isso é complicado”.

“Respira-se trabalho missionário”
Esta missão foi concebida e desejada pelo grupo de padres e leigos em Málaga e depende da Região Europeia, embora seja em África. “Somos ad gentes, trabalhamos e falamos com não-cristãos. Vivemos a consolação e falamos de Jesus, não tanto com palavras, mas com as nossas ações, com as nossas vidas”, disse o padre Edwin.
Segundo Sílvio, esta missão pode oferecer muitas perspetivas: “Para além das suas atividades, pode tornar-se um foco excecional de animação missionária. Respira-se realmente o trabalho missionário e a sua espiritualidade. É uma missão de fronteira, no sentido físico e temático. Tem potencial noutras áreas que devem ser exploradas, tais como o diálogo inter-religioso e os direitos humanos.”

Marco Bello, jornalista
Texto originalmente publicado na revista Missioni Consolata