Foto: LUSA

No passado mês de janeiro, os portugueses foram às urnas escolher o partido político que irá formar o próximo Governo de Portugal e os deputados que irão legislar sobre os interesses do país nos quatro anos seguintes. O resultado foi uma inesperada maioria absoluta do Partido Socialista (PS) e, a subsequente, recondução de António Costa para o lugar de primeiro-ministro de Portugal. Com uma votação esmagadora que elegeu 119 deputados, o PS desatou o nó que o amarrava aos partidos à sua esquerda – o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP) – e prepara-se para governar, desde a sua única maioria alcançada com José Sócrates, sozinho, os destinos deste país “à beira mar plantado”.

No próximo Governo, o PS será o único e exclusivo responsável pelas políticas públicas em Portugal, designadamente pela política orçamental que for implementada com os Orçamentos de Estado que submeter à aprovação da Assembleia da República. Deixou de haver espaço para partilhar responsabilidades, boas ou más, com os partidos que viabilizaram os orçamentos nos últimos seis anos.

Estas eleições não surpreenderam somente por este feito do PS. O aumento exponencial da representatividade de partidos políticos, como a Iniciativa Liberal (IL) e o CHEGA (CH), revelou que os portugueses preferiram migrar para alternativas mais icónicas, preterindo os partidos históricos e mais moderados, como o Partido Social Democrata (PSD) e o CDS-PP (CDS-Partido Popular). Estes dois acontecimentos, em simultâneo, causaram, e causam, alguma consternação entre os portugueses católicos, que encaram esta nova realidade com uma preocupação crescente que merece a nossa melhor reflexão.

De um momento para o outro, a comunidade católica portuguesa deixou de ter um partido político que defenda os melhores interesses da Igreja Católica e que a represente no centro do processo legislativo, tal como o CDS-PP a representou aquando da discussão de pontos fundamentais da doutrina da Igreja sobre a sociedade, como a vida ou a família. Na área não socialista, o PSD foi abandonando uma posição mais homogénea, no que se refere à discussão e votação dos temas fraturantes, preferindo enveredar pelo caminho do relativismo moral ao dar liberdade de voto a todos os deputados eleitos nas suas listas. Ainda que, estoicamente, alguns deputados sociais-democratas se empenhem na construção da sociedade segundo a doutrina social da Igreja, a realidade é que tem sido opção dos líderes do PSD abrir espaço para o individualismo, em detrimento de uma tomada de posição oficial e disciplinada, como se constatou em votações como a eutanásia, aborto ou adoção.

Este espaço, agora vazio, está à mira do CH, como se pode constatar pelas declarações do seu líder, que tem invocado frequentemente a sua confissão religiosa e demonstrado reverência pela Igreja Católica.
O discurso com dimensão espiritual e religiosa surge, paralelamente, com a exortação ao nacionalismo e com a estigmatização de uma comunidade inteira, num tom depreciativo e de exclusão para as pessoas que pertencem a esse grupo. Uma conduta em dissonância com os cânones católicos, os quais enquadram a Igreja como estrutura visível e organizada, com dimensão universal, cuja missão na construção de uma sociedade democrática é concretizada de um modo justo e fraterno.

O momento presente, quase que de apatia coletiva, no que aos católicos concerne, requer muito do nosso empenho e fé para que possamos ser parte integrante na missão que a Igreja definiu para a edificação da comunidade humana. Esta missão é da responsabilidade de todos os seus membros, conscientes que devem estar de que o seu contributo positivo para a construção da sociedade depende da qualidade do seu empenho. Os valores de inspiração cristã só serão integrados nas leis, na medida em que sejam assumidos pela comunidade, no seu geral, e pelos elementos constituintes no processo social.

Perante o cenário político que se adivinha e que tem vindo a ganhar terreno, no que se refere à promoção do relativismo moral e cultural, recordo uma frase do Papa Paulo VI: “A política é uma forma exigente – se bem que não seja a única – de viver o compromisso cristão ao serviço dos outros”.

Texto: Alexandra Duarte, docente universitária e presidente da Assembleia Geral da Associação Crescerbem