Ilustração: David Oliveira | Texto: Teresa Carvalho

Cecília não saía do quarto, se não fosse forçada a isso.
Ana, a sua filha de 14 anos, aprendera desde há dois anos, quando as manas saíram de casa, a cuidar de Tomás. Agora com seis anos, Tomás já aprendeu que a mãe não tolera ruídos, nem os seus entusiasmos de astronauta. Também já sabe que o colo quentinho é o de Ana, e os abraços são trocados só com ela. A mãe não está disponível para viver. Dizem que tem sono por causa da depressão.
E Ana, atordoada com as responsabilidades de cuidar, vive centrada na tristeza da mãe e nos cuidados a Tomás. Tudo o resto perdeu força e sentido. Esqueceu como ser ela mesma!
Antes, Ana ainda acreditava que a mãe voltaria a cantar e a dançar, naquela alegria que ela conheceu quando era pequenina. Mas agora, a sua esperança esvaziou… E Ana entristeceu! Só em Tomás ela conseguia reacender o seu desejo de viver.

Um dia, um senhor tocou à campainha. Com expressão desconfiada, Cecília entreabriu a porta.
Disse ser Hugo e estar a recrutar colaboradores para as atividades da associação do bairro.
– Dona Cecília, na nossa associação do bairro, “Associação Reinventar”, começámos a ensaiar uma peça de teatro e precisamos de uma fadista. Disseram-me que a dona Cecília podia ajudar-nos!
– Não tenho nada para oferecer!
– Não foi isso que ouvi dizer! A sua ajuda seria preciosa. Amanhã volto a contactar. Há quem diga que tem saudades de ouvir a sua voz.

Nessa noite Cecília não dormiu. Debateu-se entre as desconfianças que alimentara nos anos de tristeza, as recordações de um passado em que se sentia grande, e o desejo de voltar a preencher-se de “vida”.No dia seguinte, Hugo voltou a casa de Cecília como prometera.
Uma jovenzinha sorridente e um rapazinho saltitante, escancararam a porta.
De dentro, uma voz apressada: “Abre a porta Ana! Já vou!”

Cecília era uma senhora rejuvenescida quando avançou até a porta de entrada. Parecia mais alta, mais luminosa.
– O senhor disse que queria que eu cantasse. Mas é só nessa peça de teatro?
Hugo viu na inquietude de Cecília uma luz de esperança e de pedido de socorro. Arriscou tudo:
– Tudo o que a dona Cecília puder colaborar, será precioso para a associação. Vamos começar com as atividades de verão para crianças e todas as ajudas são um bem valioso!
– Posso formar um grupo de dança!

Ana viu o brilho do olhar da mãe, e acreditou! Acreditou que a mãe voltaria a usar um vestido bonito e, de cima do palco, deixá-la-ia orgulhosa de ser sua filha. Acreditou que a mãe trocaria as janelas fechadas do quarto pelos passeios na rua e idas à praia, como quando ela era pequenina.

O seu maninho Tomás iria conhecer o calor quentinho do colo da mãe. Ia perceber o poder da gargalhada daquela mulher que, no passado, enchia o peito de Ana e a fazia sentir-se a menina mais feliz do mundo.
Agora, a Ana que esquecera sonhar, podia agarrar de novo o tempo, e descobrir quanto de si havia por conquistar. A partir daquele dia em que aquele senhor Hugo bateu à porta e convidou a mãe a partilhar o que tinha e sabia, o luto de que os dias eram feitos esfumou-se e a vida voltou a entrar em casa. Agora, Ana não precisa cuidar da mãe. A mãe redescobriu fontes de energia que tinha deixado apagar. O amor voltou a tomar conta dos seus dias. Cecília reinventa-se em cada novo desafio, amparada por aquela associação que se atreveu a ir buscá-la para trazer, a ela e aos seus filhos, de novo à vida.