O New York Times foi um dos jornais que publicaram, em junho, o obituário de Violeta Chamorro, antiga presidente da Nicarágua que teve um papel importante na reconciliação nacional nesse país da América Central. Na fotografia escolhida pelo jornal vê-se Chamorro, na tomada de posse de 1990, com a faixa presidencial que recebeu do antecessor, e rival, Daniel Ortega. Líder dos sandinistas, guerrilha de esquerda que derrubou a ditadura da família Somoza em 1979, Ortega tinha cedido aos rebeldes apoiados pelos Estados Unidos da América (EUA) e às pressões internacionais para aceitar a democracia. Perdeu de forma surpreendente, mas também de forma surpreendente aceitou a derrota para uma antiga aliada, viúva de um jornalista assassinado nos momentos finais do somozismo.
Se Ortega tivesse saído da política naquele momento, ficaria na história como um revolucionário que aceitou que o seu povo, por vontade expressa nas urnas, preferia outra liderança. E provavelmente hoje, com 79 anos, seria uma figura respeitada. Mas o antigo guerrilheiro nunca desistiu do poder e em 2007 conseguiu reconquistar a presidência. De início, parecia disposto a compromissos: por exemplo, defendeu boas relações com os EUA. E surpreendeu quando se aproximou da Igreja Católica e fez aprovar uma lei anti-aborto.
Pouco a pouco, porém, Ortega passou a reprimir a oposição, o que se acentuou a partir de 2018. Reeleito sucessivamente, a última das vezes em 2021, é acusado de ser um ditador disfarçado. E se o presidente, mais a sua mulher e vice-presidente Rosario Murillo, foram evitando o mais possível choques com os EUA, mesmo sendo cada vez mais pró-Rússia, a administração chefiada por Donald Trump já se refere à “ditadura Ortega-Murillo”.
O Departamento de Estado fala de sete anos de repressão da oposição por Ortega. Entre os perseguidos estão dois filhos de Chamorro, forçados ao exílio. Também a Igreja Católica, por dar guarida às vozes que criticam o poder, é atacada pelo regime, e em 2024 o Papa Francisco saiu em defesa dos padres e freiras nicaraguenses, pois um quarto do clero foi expulso do país. E o agora Papa Leão XIV, que tem nacionalidade americana e peruana, esteve há três anos entre os bispos do Peru signatários de um apelo ao respeito pela democracia na Nicarágua. Horas depois da eleição a 8 de maio do sucessor de Francisco, o cardeal de Manágua, Leopoldo Brenes, publicou nas redes sociais uma imagem sua com o novo Sumo Pontífice, um sinal a Ortega sobre o conhecimento que Leão XIV tem do país, e que decisões como a proibição das celebrações da Semana de Páscoa, nomeadamente as procissões, são inaceitáveis.
Texto: Leonídio Paulo Ferreira, jornalista do DN





