São José Allamano e Papa Francisco são dois herdeiros da região do Piemonte. Allamano fundou dois institutos missionários e enviou os seus primeiros missionários para o Quénia, e Francisco promoveu uma Igreja missionária, aberta às periferias | Imagens: DR

A região do Piemonte, no norte de Itália, é terra de colinas, vales tranquilos, vinhedos, pomares, trabalho árduo e fé profunda, e é também o berço de santos fundadores de instituições ao serviço da vida, da Igreja e da sociedade. Ali nasceu José Allamano (1851-1926), fundador dos Missionários e Missionárias da Consolata, e também os avós paternos do Papa Francisco (1936-2025). Esta região tornou-se matriz existencial para Allamano, que a habitou toda a vida, e para Jorge Mario Bergoglio, neto de uma família emigrante. Embora separados pelo tempo e pelo espaço, ambos partilham a mesma herança cultural e espiritual que os une e lhes confere um perfil comum.

Neste contexto, não surpreendem as deferências generosas do Papa Francisco com a Família Missionária da Consolata. “O Papa deu-nos duas missionárias beatas, as irmãs Irene Stefani e Leonella Sgorbati, criou um cardeal da Consolata – Giorgio Marengo –, canonizou o fundador da Consolata, e, como se não bastasse, nomeou a irmã Simona Brambilla, Missionária da Consolata, como a primeira mulher prefeita de um Dicastério no Vaticano”, destacou James Lengarin, superior geral dos Missionários da Consolata.

Se entendermos a espiritualidade não tanto como as práticas religiosas, mas como uma forma de ser, pensar e agir, podemos perceber outra convergência entre Allamano, que encarnou uma espiritualidade prática e missionária, e Francisco, que promoveu uma “Igreja em saída”, missionária, próxima dos pobres, aberta às periferias geográficas e existenciais, onde os Missionários e Missionárias da Consolata chegaram prioritariamente.

Ambos partilhavam a convicção de que a fé não pode ficar confinada aos templos, mas deve ir ao encontro do outro. Essa sensibilidade missionária tem origem no testemunho piemontês de figuras que fundamentaram uma tradição que influenciou Allamano e alcançou Bergoglio, como Guglielmo Massaia (1809-1889), cardeal, missionário e frade capuchinho; São José Cafasso (1811-1890), sacerdote que se destacou pelo serviço aos pobres e que era tio materno de Allamano; e São João Bosco (1815-1888), fundador da congregação Salesiana.

Allamano enviou os seus primeiros missionários para o Quénia, ao serviço do anúncio do Evangelho, da promoção humana e da formação das pessoas, centrados na simplicidade, na proximidade, na relação com os nativos, na bondade e no respeito. Um estilo que corresponde ao proposto pelo Papa Francisco a toda a Igreja. Afinal, Bergoglio foi um Pontífice próximo, terno, preocupado com a formação integral e a autenticidade evangélica. Em ambos, há uma sensibilidade e um respeito profundo por todas as pessoas e as suas culturas, acolhendo e valorizando cada uma nas suas diferenças.

A opção pelos pobres, a insistência na misericórdia e a rejeição da autorreferencialidade são também pontes entre estes dois herdeiros do Piemonte. Allamano exigia que os seus missionários fossem ao encontro dos últimos, e que vivessem com humildade e sem pretensões de superioridade cultural. Francisco insistiu numa Igreja com “cheiro de ovelha”, que não impõe, mas propõe e acompanha.

A devoção mariana é outro elo entre ambos. São José Allamano, que foi reitor do Santuário da Consolata, realizou toda a sua obra em aliança familiar com Maria, e a ela atribuiu a fundação dos Missionários e Missionárias da Consolata. Allamano dedicou todo o seu ministério sacerdotal ao cuidado do “seu” santuário. Francisco também manifestou um profundo amor mariano, recorrendo constantemente a Maria como mãe da ternura, do consolo e do povo. No seu testamento, o Papa Francisco escreveu: “Sempre confiei a minha vida e o ministério sacerdotal e episcopal à Mãe do Nosso Senhor, Maria Santíssima. Por isso, peço que os meus restos mortais repousem, esperando o dia da ressurreição, na Basílica Papal de Santa Maria Maior.” Para ambos, Maria não é apenas uma figura teológica ou espiritual, mas uma mãe próxima que consola, guia e fortalece.

Texto: Salvador Medina, Missionário da Consolata