«Em Portugal, tentam enredar-nos na grande ilusão de que acabou a austeridade e começamos a ficar melhor. Mas, três anos depois, o país está pior»
«Em Portugal, tentam enredar-nos na grande ilusão de que acabou a austeridade e começamos a ficar melhor. Mas, três anos depois, o país está pior»Hoje, corremos o risco de que alguns mass-media nos condicionem até ao ponto de fazer-nos ignorar o nosso próximo. O alerta é do Papa Francisco que, na mensagem para o 48º Dia Mundial das Comunicações Sociais (1 de Junho), insiste em algumas ideias que marcam o seu ministério: a distância escandalosa entre o luxo dos mais ricos e a miséria dos mais pobres; a indiferença com que olhamos para tantos excluídos; o sentido de unidade da família humana, que deveria impelir à solidariedade e a um compromisso sério para uma vida mais digna; o desafio a que a Igreja se abra também ao ambiente digital, de modo a que o Evangelho chegue a todos, mas sem o reduzir a uma estratégia; o diálogo com a convicção de que o outro tem algo de bom para dizer.

a mensagem coincide com o tempo em que, em Portugal, tentam enredar-nos na grande ilusão de que acabou a austeridade e começamos a ficar melhor. Mas, três anos depois, o país está pior. Muito pior: 25 por cento da população é pobre ou vive em risco de pobreza; a dívida (para cujo pagamento a ‘troika’ emprestou dinheiro, dois terços do qual foi para a banca) cresceu e levaremos pelo menos 20 ou 30 anos a pagá-la (se ela não crescer mais, o que será impensável); o desemprego atinge mais de um milhão de pessoas, quase um quinto da população activa; o Produto Interno Bruto contraiu 3,4 por cento; a emigração voltou a taxas dos anos 1960 mas, agora, emigra a mais qualificada geração de sempre; cortaram-se salários, pensões e despesas sociais do Estado, mas deixaram-se intactas as regalias do sistema financeiro; políticos, empresários e financeiros trocam de cadeiras mas espezinham, juntos, os direitos de quem trabalha; e um longo etc. .

Somando tudo isto, e mais grave do que tudo isto, é que se está a criar um caldo social em tudo semelhante ao das vésperas da I Guerra Mundial, como indiciam alguns resultados das eleições europeias de 25 de Maio. Os mercados que tudo isto nos impõem – e que não são mais que gente sem escrúpulos, que quer cada vez mais lucro à custa do empobrecimento de povos inteiros, ao arrepio dos princípios básicos do Evangelho – chegam mesmo a adormecer o discurso jornalístico, que apenas repete essa grande ilusão e leva ao desprezo pelo outro. Mas o Papa alerta: Jesus inverte a perspectiva: não se trata de reconhecer o outro como um meu semelhante, mas da minha capacidade para me fazer semelhante ao outro.
(O autor escreve segundo a anterior norma ortográfica)