a trabalhar em Moçambique há 25 anos, alceu agarez, padre missionário da Consolata, natural de Murça, já se sente mais africano do que europeu
a trabalhar em Moçambique há 25 anos, alceu agarez, padre missionário da Consolata, natural de Murça, já se sente mais africano do que europeuDescontraído por natureza, gosta de estar com o povo, de partilhar costumes e culturas, de reinventar novas formas de evangelizar. Esta disponibilidade levou-o a entregar-se de corpo e alma à tradução da Bíblia para a linguagem mais utilizada pela população de Inhambane. Uma tarefa árdua, que está concluída, mas ainda não tem financiamento assegurado para cumprir a sua verdadeira função: tornar o Evangelho acessível a todos os que vivem naquela província moçambicana. Fátima Missionária após cinco anos de trabalho deu por concluída a tradução da Bíblia em xitshwa, um dos idiomas da província de Inhambane. Foi difícil? alceu agarez Foi um trabalho muito exigente e cansativo.começámos a fazer oito horas por dia, mas tivemos que reduzir para seis porque o cansaço era muito. as dificuldades foram várias. Os quatro colaboradores locais que faziam parte da equipa tinham uma certa dificuldade em entender as línguas que usávamos como base para a tradução, por não terem um conhecimento estruturado do próprio idioma, que tem muita falta de vocábulos. Foi preciso introduzir palavras, roubando’ ao português ou até ao grego, depois de percebermos que eram as mais usadas pelo povo. F. M. Partiram do zero para esta tarefa? a. a. Não. Já havia uma tradução feita pelos protestantes, mas com cerca de cem anos. além de incompleta, era demasiado antiquada e com uma linguagem que às vezes não correspondia muito bem à nossa teologia. F. M.como surgiu esta ideia? a. a. a pedido do bispo e empurrado pelos superiores do Instituto Missionário da Consolata, depois de verificarmos que era uma grande necessidade, porque o trabalho pastoral de evangelização, se não partir da palavra de Deus na língua local, é muito deficiente. O português nunca há de ser uma língua sentida. Eles vibram é quando encontram a palavra de Deus na sua própria língua. a reação é totalmente diferente. F. M. Quando é que a obra estará disponível e quantas pessoas poderá servir? a. a. Neste momento está uma pessoa a tratar da formatação, página por página. Mas a publicação está dependente do financiamento, pois ainda não sabemos quem a pode subsidiar. O que sabemos é que a população está muito entusiasmada e sempre a perguntar-nos quando vai sair. Pode servir perto de um milhão de pessoas. F. M. Há mais projetos para o futuro? a. a. a primeira coisa que penso fazer é rever os livros litúrgicos que já temos publicado, para inserir os novos textos bíblicos e ter uma linguagem mais atualizada. Depois, aproveitando o muito vocabulário que juntei no computador, gostaria de trabalhar num dicionário mais completo – português/xitshwa e vice-versa – e completar uma gramática. Mas aí entram de novo os problemas financeiros. F. M. a propagação de seitas em Moçambique prejudica o vosso trabalho pastoral? a. a. É um facto que essas seitas se espalham por todo o lado. Em parte prejudicam o nosso trabalho, mas ao mesmo tempo são um estímulo. Reconhecemos que põem em perigo, mas se calhar são necessárias para nos acordar e obrigar a trabalhar de uma maneira diferente. Se apostarmos mais nestes meios de ter a palavra de Deus transmitida de uma forma mais verdadeira e completa [como o caso da Bíblia] também nos defendemos dessa invasão. F. M. O que é que lhe dá mais satisfação como missionário? a. a. a aceitação no meio do povo e sentir que estamos juntos. Ver que estão a enriquecer com tão pouco que lhes dou e que o facto de convivermos os torna alegres e agradecidos. No fundo, eles estão a dar-me tanta coisa. Eu não sou a mesma pessoa que foi para Moçambique. Sinto-me muito identificado com aquela cultura, porque descobri valores diferentes, que para mim são essenciais.