Reflexão de Serafim Ferreira e Silva, bispo da diocese de Leiria-Fátima
Reflexão de Serafim Ferreira e Silva, bispo da diocese de Leiria-FátimaPor ocasião da ordenação episcopal de anacleto Oliveira, a 24 de abril, no santuário de Fátima, Serafim Ferreirra e Silva publicou no guião da celebração da ordenação episcopal o seguinte texto:

0 BISPO HOJE

Recordo que em 1954 o cardeal Spellman foi a Roma fazer uma conferência. Eu estava lá. Falou cinco minutos e mandou distribuir um texto em diversas línguas. Em dia festivo de ordenação episcopal, com tanta gente mal acomodada ,entendi escrever um apontamento, que cada um poderá ler oportunamente, com mais atenção.

é rica a história e é basta a bibliografia sobre a missão dos bispos, “sucessores dos apóstolos”. Porque os destinatários desta nota não são os bispos, limito-me a transcrever um simples paragrafo do Directório do Ministério Pastoral dos Bispos (DMPB, 22-02-2004).

O Directório tem 246 números e a primeira parte do número dois diz o seguinte: “algumas imagens vivas do Bispo, tiradas da Escritura e da Tradição da Igreja, a saber, de pastor, pescador, pai, irmão, amigo, portador de conforto, servidor, mestre, homem forte e sacramento de bondade, apontam para Jesus Cristo, e mostram o Bispo como homem de fé e de discerni¬mento, de esperança e de empenho real, de indulgência (mitezza) e de comunhão. Tais imagens indicam que entrar na sucessão apostólica significa entrar no combate pelo Evangelho”.

Este breve e belo texto condensa e determina as coorde¬nadas vitais da identidade e da missão do Bispo. ao assinalar os traços bí­blicos e eclesiológicos, não se aborda, nem desconhece, as diversas figuras do Bispo
na arte e na literatura, nem são inventariados os reflexos, com luzes e sombras, que vai projectando historicamente na opinião pública, e menos ainda o uso da palavra, porven¬tura abusivo, que aparece na linguagem corrente, por exemplo propósito do esturro ou do jogo do xadrez…
O breve texto do Directório, acima transcrito, pressupõe o “conhecimento” do mistério de Cristo na Sua Igreja.

De facto, à luz do mistério de Cristo, pastor e bispo das almas (cfr. lPe 2,25) que o bispo compreenderá sempre mais profundamente o mistério da Igreja” (DMPB,I). O bispo é, pois, o “vigário” (LG 27) d’ aquele que é o grande e único “Pastor das ovelhas” (Hb 13,20). E assim a sua identidade e a sua missão é consagrar-se a assemelhar-se, na vida e no ministério, a Cristo,”que veio para dar a vida e fazer de todos os homens uma só família, reconciliada no amor do Pai” (DMPB,1).

“Sucessor dos apóstolos”, o bispo de hoje continua a ser o elo sacramental da grande família cristã e o porta-voz do Salvador, também para os gentios. Considerando, apenas, as dez características do Bispo, gispoNque se encontram na Bíblia e na Tradição, poderemos, sumariar assim:

1. Pastor
No nosso tempo de grandes cidades e auto-estradas, quase não vemos, ao vivo, os pastores e os rebanhos, nos campos e nos montes. Teremos imagens de pinturas e da televisão, que nos dão a ideia de um conjunto de seres e de alguém que conduz. 0 pastor é dirigente ou condutor. Por exemplo, Exequiel “profetiza contra os “pastores de Israel” (34). Em todo o médio oriente usava-se a palavra “pastor” para significar também o chefe de um povo ou de um grupo.

Por sua vez, o próprio Cristo apresentou-se como o “bom Pastor” (Mt. . 9,36),e constituiu Pedro e os outros apóstolos pastores da Sua”Ecclesia”(cfr. Jo. 21,15-18).
O papa e os bispos, sucessores dos apóstolos, têm colaboradores ordenados sacramentalmente. Por isso, dizemos que são pastores de pastores e ao mesmo tempo servos de servos…

Neste grande dia de nova ordenação episcopal, recordamos com saudade João Paulo II, rezamos pelo novo Papa, e eu próprio presto homenagem aos meus predecessores nesta Igreja particular, porção da Igreja universal, agradeço a todos os sacerdotes que exercem o ministério pastoral nesta diocese, e todos fazemos votos e empenho para que haja, quanto antes, “um só rebanho e um só Pastor” (Jo. 10,16).

2. Pescador
Cristo, chamando Pedro, mudou-lhe o nome (Jo 1,42) e anunciou que de futuro seria “pescador de homens” (Lc 5,11), como já lhe tinha dito e ao seu irmão andré:”Eu farei de vós pescadores de homens” (Mt 4,20). Trata-se, é óbvio, de uma tarefa mais difícil, que é lidar com homens, um a um, olhos nos olhos, na convergência para a unidade incorrupta, de uma rede que não se rompe. 0 pastor de ovelhas que se tresmalham é também “pescador” de pecadores que recalcitram.

Nos muitos rios e diversos mares da vida, todos pensamos, em voz alta, nas obrigações de testemunhar e de evangelizar, em sentido missionário e ecuménico. Todos os cristãos, no mesmo barco, devem fazer comunhão. 0 bispo é pescador e timoneiro.

3. Pai
Todo o sacerdote, esteja na aldeia ou na cadeira de São Pedro, é padre. Poderemos acrescentar que o bispo é pai e mãe. Tendo renunciado à paternidade biológica, é pai de milhares de filhos na Igreja particular e de muitos milhões na Igreja sem fronteiras e sem barreiras. Constatamos que muitos desses filhos são rebeldes e pródigos, ou de outros redis e casas. Mas a paciente esperança e a diligente benignidade pastorais e paternais saberão procurar tresmalhados e chamar quantos noutro redil buscam o verdadeiro Pastor (Jo. 10,16).

Cristo é o farol e o caminho. Logo depois de ressuscitado diz à Madalena:”Vai dizer aos meus irmãos que eu vou subir para o meu Pai e vosso Pai” (Jo. 20,17). Fazendo-se irmão, deseja que os seus ministros sejam também pais e irmãos, na caminhada permanente para a casa do Pai comum.

4. Irmão
é bom repetir que o bispo tem muitos filhos,que também são seus irmãos,qualquer que seja a idade. Se “todo aquele que faz a vontade do Pai,é irmão e irmã” (Mt. l2,50), o pecador ou inimigo não deixa de ser irmão e requer atenção especial. Todos formamos uma grande família plural, em que Cristo é “o primogénito de muitos irmãos” (Rm. 8,29).

Todos compreenderão e todos desejam que o bispo, não fazendo acepção de pessoas, priorize os mais afastados e lubrifique o ví­nculo especial com o colégio episcopal e com a sua família sacerdotal.

5. amigo
Ninguém duvide que o bispo será motor e modelo de amizade. Não uma amizade de ocasião ou de passagem, mas, como se diz, do peito ou do coração. O bispo sabe que não é chefe de empresa ou funcionário. E os outros? 0 bispo mostrará que tudo quanto faz é iluminado pelo amor e motivado pelo zelo apostólico. a amizade episcopal será sacramento de perdão e de paz.

6. Consolador
aliviar a dor e consolidar a esperança é missão dó Bispo. Consolar o triste ou aflito e consolidar a fé do dubitativo ou errante está na linha da frente do plano do Pastor, que tem muitas solicitações e oportunidades em geral, e especialmente, sem esquecer a família de sangue, com os colaboradores mais próximos que são sacerdotes e diáconos… 0 DMPB fala de “portador de conforto”, para sublinhar a imperecí­vel solicitude do Pai que ama os seus filhos e irmãos.

7. Servidor
Diz a sabedoria popular que quem não vive para servir quase não serve para viver… Esta regra geral, que é um imperativo ou súmula de todos os mandamentos, ganha mais força na pessoa/missão do bispo, que se consagrou ao serviço de Cristo e da sua Igreja (Mt. 20,27).

Para quê exemplos? Bastará pensar no “lava pés”, como sinal, e escutar bem a recomendação de “não servir a “dois senhores” (Mt. 6,24), o que exige verdade, e manifesta alegria. Em consequência, a recompensa é iluminada, com valor acrescentado, pelas palavras do próprio Cristo, que nos manda concluir: “Somos servos inúteis, pois só fizemos o que deví­amos” (Lc. 17,10).

8. Mestre
Sabemos e dizemos que só Cristo é mestre e senhor. Mas também podemos e devemos dizer que o bispo, seu ministro, está investido num poder de agir “in persona Christi” e mandatado para exercer um ministério que é também magistério. a missão profética, em todo o tempo e lugar, é prioritária, por palavras e por obras (verba et opera, como diz o lema do bispo de Leiria-Fátima). Serão diferentes os meios (electrónicos ou de cultura), porém a mensagem é sempre a mesma, e a pretenção de não ser “frei Tomás” fala porventura mais alto.

9. Forte
0 DMPB diz que o bispo é, ou deve ser, “homem forte”. a fortaleza, dom do Espí­rito e virtude cardeal, marca e sustém o ministro de Cristo, em qualquer dos três graus do sacramento da Ordem, mas terá o reforço da graça de estado para o bispo. é São Paulo quem lembra que Cristo “é a força e a sabedoria” 1 Cor. 1,24), e por bispo “tudo pode n’aquele que dá força” da mansidão e da fortaleza (Fi1. 4,13). a conjugação dá luz e paz.

10. Bom
Finalmente o DMPB diz que uma da dez imagens do bispo é ser “sacramentum bonitatis”,ou sinal que manifesta e comunica a bondade, que é dom e fruto Espí­rito Santo. assim do Espí­rito: amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, auto-domí­nio; contra tais não há lei” (Ga1. 5,22-23).

Terminarei esta série de traços para o “perfil episcopal’, lembrando que na minha ordenação recebi um belo poster que diz: se é bom ser importante, é mais importante ser bom!

anacleto Cordeiro Gonçalves de Oliveira (17-07-1946),ordenado presbí­tero em 15-08-1970 na igreja catedral de Leiria, doutorado em Sagrada Escritura, exerceu diversas funções pastorais na diocese de Leiria-Fátima e foi nomeado (4-02-2005) bispo auxiliar do patriarcado de Lisboa, com o tí­tulo de acquae Flaviae, Chaves, diocese extinta no século V e que foi tí­tulo do seu antecessor imediato nas terras do Oeste, no patriarcado de Lisboa.

O senhor D. anacleto escolheu como lema do seu episcopado uma frase extraí­da do diálogo de Cristo com os seus apóstolos, em Cafarnaúm: “Se alguém quiser ser o primeiro, há-de ser o servo de todos” (Mc. 9,35).

Servo de todos ou “escravo de todos” foi a tradução que D. anacleto preferiu para as suas “armas”. Na Nova vulgata diz-se “omnium minister”, que significa “servidor de todos”.

é uma grande promessa. é uma mensagem evangélica. íˆ um programa de vida. Se Maria disse: “Eis a escrava do Senhor”, rezo para que cada bispo possa dizer, por palavras e por obras, a toda a gente: Estou verdadeiramente ao vosso serviço.

Concluindo, poderemos ainda observar que as palavras servo, servente, servidor e escravo são afins, mas não rigorosamente sinónimas. De qualquer modo, todas elas contêm três letras do verbo e do substantivo SER.
Irmão anacleto, que continues a ser, cada vez mais e melhor, servo e ministro de Cristo, ao serviço do povo de Deus.

Em comunhão com o Papa Bento XVI, com a Conferência Episcopal Portuguesa e com toda a Igreja, que sejas uma bênção de graça para o mundo. Que Nossa Senhora de Fátima e Santo agostinho te protejam. amen!

Fátima,24 de abril 2005.
Serafim de Sousa Ferreira e Silva