até onde vão vocês? Um dia descobrirei para onde ir! De braços debaixo da nuca, estirado de costas sobre o tapete de feno macio, Daniel comungava da imensidão da natureza. Não se fixava no solo. Olhava as nuvens serenas, em desenhos caprichosos e contí­nua transformação
até onde vão vocês? Um dia descobrirei para onde ir! De braços debaixo da nuca, estirado de costas sobre o tapete de feno macio, Daniel comungava da imensidão da natureza. Não se fixava no solo. Olhava as nuvens serenas, em desenhos caprichosos e contí­nua transformaçãoEnvolvido pelo verde e deliciado com o cantar dos passarinhos e com o cheiro do rosmaninho, Daniel refugiava-se aqui para se encontrar consigo mesmo e tentar descobrir o seu lugar na história. Nos intervalos das aulas e entre os amigos, o que fazer depois do 12º ano era tema recorrente. O diálogo enchia conversas e sonhos de tantos jovens, desejosos de criarem um espaço próprio e seguro. Daniel tinha dificuldade em identificar-se com os desejos de riqueza, de projecção social ou de poder, que os seus colegas procuravam. até se riam dele e ele ajudava à festa. Mas não deixava de confirmar a sua sensibilidade e atenção aos sem-abrigo que via na rua ou às pessoas que encontrava no autocarro com olhar triste, cansado, em evidente sofrimento. Preocupavam-no as guerras e os refugiados de longe, de onde nem sabia qual a cor da terra. Sentia-se minúsculo num mundo imenso e, ao mesmo tempo, invadido por um tipo de certeza desconhecida que o impelia a não ser de lugar nenhum nem de ninguém. Sentia que queria dedicar-se a todos. Mas como?até se imaginou diplomata, gerindo conflitos internacionais e trazendo a paz a locais massacrados pela guerra; ou missionário, levando uma nova proposta de vida e criando evolução em povos esquecidos e em sofrimento. Imaginou-se enquadrado num grupo de jornalistas que percorriam o mundo a denunciar o que destrói a vida e a apregoar o que de construtivo se desenvolve todos os dias, em silêncio. Houve dias em que considerou que poderia utilizar o seu gosto de investigar em projectos Círculo de exploração de novas soluções para doenças ainda fatais; ou seguir uma carreira política para mudar o sistema de liderança e de aproveitamento dos recursos comuns. Estaria a ser loucamente ambicioso? alguma vez teria capacidade para realizar algo que constituísse contributo para alguém? O seu principal receio era passar todo o seu tempo numa vida monótona, confortável, distraído com o é normal, sem descobrir o seu lugar ou sem realizar o que lhe é pedido. Um trabalho de grupo de Filosofia veio colocá-lo num mundo de realidades tocáveis: o grupo deveria retratar a vida de um dia vista pelo olhar de uma criança de uma instituição de acolhimento. Daniel e os colegas tiveram oportunidade de estar com os miúdos, de manhã até à hora de deitar. Não escreveu quase nada, mas viu e sentiu muito. Tanto que, antes de sair da instituição, garantiu à directora que voltaria como voluntário. E não queria vir sozinho, porque havia muito a fazer. Viria ajudar com alguém da escola ou do grupo de amigos. Hoje, ao olhar as nuvens, Daniel já revia as carinhas das crianças à espera.começou a sentir que encontrara um lugar onde a sua ambição de ser cidadão do mundo era preenchida. Já não precisava de procurar nas nuvens. Encontrou o possível hoje e havia que realizá-lo. Levou outros consigo e, juntos, enfeitaram as vidas destas crianças-à-espera. Quando, ao fim do dia, regressavam a casa, traziam um sorriso do tamanho do Universo que querem transformar e abraçar.