Há quem olhe para Tomás e insista em chamar-lhe «coitadinho». até mesmo ele já se apelidou de «coitado», de «infeliz»
Há quem olhe para Tomás e insista em chamar-lhe «coitadinho». até mesmo ele já se apelidou de «coitado», de «infeliz»Os outros, alguns – quase nenhuns, ainda revelam essa pobreza de olhar. Mas Tomás já não! Esse tempo em que olhava para si e só via braços curtos e torcidos, mãos pequeninas que não lhe obedeciam nos gestos simples, pernas que não sentiam onde estavam nem eram capazes de segurar o seu peso para se pôr de pé, coluna encurvada que lhe projectava o abdómen para a frente, um corpo inútil numa cadeira de rodas, Esse tempo já passou!Desde há dois anos que Tomás já não aceita ser nem coitado, nem infeliz. Respeita-se como Tomás que é. Deixou de perguntar repetidamente porque nasceu assim. Todos lhe davam uma explicação clínica, a mesma apresentada pelos muitos especialistas que conheceu: diziam que sofria de uma malformação genética que impediu que os ossos se desenvolvessem normalmente, e explicavam em pormenor o que o impedia de ser um menino igual a todos os outros que ele conhecia. Isso Tomás já sabia de cor e salteado. O que ele não percebia e ainda ninguém lhe tinha conseguido explicar, era o que poderia ele fazer com esta malformação genética? Ser Infeliz? Tomás dizia que só isso lhe era permitido, mas no seu íntimo resistia a acreditar que fosse mesmo assim. Às vezes sonhava que era especial: teria de haver alguma coisa que ele pudesse fazer. Queria ser especial não só porque o amavam mas sentir-se ele próprio especial por poder contribuir para algo – que ele não sabia ainda o quê. E assim foi Tomás crescendo, protegido por todos para que não partisse nenhum dos seus ossitos frágeis. Há dois anos, nas férias de Verão, Tomás integrou-se numa actividade da associação de Jovens do seu concelho. Participava em tudo – até onde podia, claro. Quando atingia o seu limite, esperava até o grupo terminar. Mas, enquanto esperava, conversava com todos os que por ele passavam. Transformou-se num óptimo comunicador – Às vezes parece que engoliste um rádio, diziam. Um dia, nos seus palreios com os transeuntes, alguém comentou que ele devia ter jeito para ser jornalista de rádio. Jornalista de Rádio? – Os seus sonhos dispararam: já se via a comunicar através da rádio com outros jovens e crianças, e todos! É mesmo isto. Já sei como fazer a diferença! Tomás não mais abandonou essa ideia. Falou dela a toda a sua gente e a associação de Jovens acreditou no projecto e na competência de Tomás para o realizar. Candidataram-se a um fundo europeu de apoio às iniciativas juvenis e Iupi: foi aprovado! Tomás bailou na sua cadeira de rodas, vendo-se entrar no mundo onde os sonhos tocam a realidade. Estagiou numa rádio local e foi aluno exigente. Queria aprender tudo. aprendeu tudo!Hoje, Tomás gere e faz os programas de rádio online, deixando passar uma alegria tão contagiante que as audiências têm subido constantemente. Nos seus programas, Tomás insiste na importância dos obstáculos, na força de um sonho, no poder da persistência e na grandiosidade da amizade que conjuga esforços e vontades em torno de um bem maior. Vencer passou a ser o seu desafio pessoal, e comunicar todos estes valores que vai descobrindo é a sua forma actual de o realizar. Tomás já está a fazer a diferença. Hoje é já o artista da Rádio.