Beatriz decidira finalmente a prenda ideal para aquela mulher extraordinária que conheceu aos seis anos e a quem podia chamar de mãe.
Ter uma mãe, um pai, até talvez manos, era o sonho maior de Beatriz. Era tamanha a sua pressa que todos os seus desenhos tinham uma menina de mãozinha dada a uma mãe e a um pai. Só não sabia desenhar-lhes o rosto… Como seriam?
Um dia, depois de muitos desenhos, deram-lhe a notícia:
– Beatriz, há uma mamã e um papá que pedem muito que sejas filha deles. E já têm um maninho para ti! Dizemos que sim?!
Foi assim que esta família nasceu no coraçãozinho de Beatriz. Ainda antes de os ver, já os desejava. Já os sonhava e desenhava. E quando os conheceu, superaram tudo, mesmo tudo o que tinha imaginado no seu mundo de menina. Quando se ajoelharam e ficaram do tamanho de Beatriz, quando lhe acariciaram a face e lhe afagaram a mãozinha, devagarinho, até que a dela se colou a duas mãos macias e grandes que a seguraram com ternura, para sempre, e quando aquele rapazinho simpático lhe piscou o olho numa cumplicidade de crianças, Beatriz ficou com a certeza que ali mesmo, no meio deles, seria um bom lugar. Seria o seu lugar. Sabia que nunca mais estaria sozinha – tinha família!
Às vezes, quando a felicidade era muito intensa, dava um beliscãozinho no braço para ter a certeza de que esta vida era a sua.
Agora com 14 anos, Beatriz ainda sente um calorzinho especial quando os pais a vão buscar à escola, ou quando assistem ao torneio de basquetebol, ou quando a abraçam ou se deixam abraçar, ou quando simplesmente ela chama “mãe”, “pai” e eles respondem à sua voz.
Beatriz gosta de recordar que a mãe, o pai, o mano a “escolheram” porque a queriam a ela para completar a família. Precisavam dela para ficar completos. E ali estava ela, a crescer junto, ao seu próprio ritmo, ligados para sempre!
Mas hoje, o motivo de felicidade de Beatriz é ter conseguido pensar no presente para oferecer à mãe no
dia do 45.º aniversário. Queria que fosse digno da mãe.
Que presente poderia homenagear a senhora mais bondosa que ela conhecia? Em casa, mas também no trabalho e em qualquer lado para onde iam, podiam contar com ela, porque essa era a sua vocação: todos cabiam no seu coração.
Um presente para esta senhora, para ser em estilo de homenagem, teria de ser feito em forma de corrente! Corrente de mensagens das pessoas de que Beatriz sabia o nome, e que faziam parte do mundo dos abraços da mãe.
Sem conseguir manter segredo, anunciou o seu projeto a uma das amigas.
Pouco depois, estavam ambas a escolher folhas de papel estilizadas para distribuir pelos amigos em quem a mãe deixou a sua “pegada amorosa”. Agora, será a vez de eles abrilhantarem os olhos grandes e luminosos da mãe, acendendo aquela luz que lhe saltava do coração feliz.
A ela, Beatriz, cabe-lhe pintar a caixa que guardará todos estes tesourinhos.
Para isso, projetou um painel estilo vitral, com desenhos de faces: Beatriz já sabe desenhar a face da mãe, do pai, do mano, e a si própria! Já sabe desenhar as faces da sua família!
A completar, na tampa estará escrito: “truz, truz, pode entrar: é um cantinho de amor!” – Do mesmo amor que abraçou Beatriz e do mesmo amor que também ela usa nos seus abraços!
Crónica: Uma caixa de tesourinhos

Ilustração: David Oliveira | Texto: Teresa Carvalho







