Morador de Masafer Yatta, uma região desértica do sul da Cisjordânia nos Territórios Palestinos Ocupados: a escassez de água potável é um dos problemas graves para muitos palestinianos. Foto © MSF

O Conselho Mundial das Igrejas (CMI) publicou um relatório sobre o cerco imposto pelo exército israelita num território palestiniano de 55 quilómetros quadrados na Cisjordânia, que isolou do mundo 16 aldeias com 70 mil habitantes; ao mesmo tempo, uma reportagem com uma jovem palestiniana do Vale do Jordão relata, apoiada em documentos, a violenta ocupação da sua aldeia por parte de colonos israelitas protegidos pelo exército.

No dia 20 de setembro de 2025, as autoridades israelitas informaram os moradores de Beit Iqsa, An Nabi Samwil, Hay Al-Khalayleh e outras aldeias – locais em que vivem cerca de 30.000 crianças e jovens com menos de 18 anos – que a entrada e a saída passavam a ser permitidas só a quem exibisse autorizações especiais credenciadas pelo exército israelita. Deste modo, apenas moradores com as autorizações necessárias podem, desde então, transpor os postos de fiscalização. Além disso, entrar no território envolvente destas aldeias passou a ser oficialmente considerado como entrada em território israelita. Somente moradores com as autorizações necessárias podem passar pelos postos de controlo.

Estas decisões das forças ocupantes “aprofundam ainda mais – de acordo com o relatório divulgado pelo CMI – o isolamento dessas comunidades, aumenta as restrições à liberdade de movimento e as preocupações quanto à resposta a situações de emergências, ao acesso à educação, à assistência médica e a meios de subsistência”.

“As restrições impostas por Israel tornam quase impossível para os moradores das aldeias manterem laços sociais e familiares, não apenas em toda a Cisjordânia, mas também chegar aos seus locais de trabalho, ou participar de atos de culto e serviços religiosos em Jerusalém Oriental”, sublinham os relatores, que concluem: “As novas limitações também dificultam a entrada de trabalhadores, fornecedores e outros prestadores de serviços nas aldeias, o que, por sua vez, perturba todos os aspetos da vida quotidiana e limita a capacidade dos conselhos municipais para atender às necessidades básicas dos moradores.”

Água a conta gotas

Desde 1967 – há 60 anos (!) – que as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas e da Assembleia Geral condenam a anexação de Jerusalém por Israel e a aplicação da lei israelita naquele território não é internacionalmente reconhecida. Por outro lado, mais recentemente, a 9 de julho de 2024, o Tribunal Internacional de Justiça emitiu um parecer consultivo afirmando que o muro construído pelos israelitas na Cisjordânia, em Jerusalém e nos arredores, bem como o sistema de controlo [dos movimentos da população] violam o Direito Internacional. O tribunal pediu, na ocasião, a cessação de tais atos, o desmantelamento do sistema e o pagamento de indemnizações às comunidades palestinianas afetadas.

O relatório divulgado pelo CMI ilustra com casos concretos como o cerco e o isolamento decretados pelo exército israelita estão a tornar a vida das 70 mil pessoas que vivem sitiadas num pesadelo contínuo. Na aldeia de Beit Iqsa “as ambulâncias ou as equipas de defesa civil não têm permissão para entrar ou sair sem coordenação prévia, o que não é prático em casos de emergência, pelo que os doentes são transportados em carros particulares através do posto de fiscalização para depois subir para a ambulância que tem de ficar do outro lado.”

Na aldeia de An-Nabi Samwel, o acesso é ainda mais restrito. “O desemprego é de aproximadamente 90 por cento”, aponta o relatório, porque “a sua população dependia da agricultura antes de suas terras serem confiscadas” e agora nem sequer podem trabalhar a pouca terra que ainda não foi ocupada.

Por seu turno, os moradores do enclave de Biddu que trabalhavam em Jerusalém “não conseguem entrar facilmente em Ramallah devido aos postos de fiscalização e não recebem autorização para entrar em Jerusalém”.

“Outro problema é a escassez de água potável.” A entidade que fornece a água é a companhia israelita, mas durante os meses de verão quase não a disponibiliza. “A discriminação em termos de acesso à água entre as comunidades palestinianas e os colonatos é impressionante”, afirma o documento: “Nas aldeias do noroeste de Jerusalém, a água potável às vezes é fornecida apenas por camiões em áreas com acesso limitado ou incerto à água encanada.”

Pancada, ocupação e despejo

Na aldeia de Muarrajat, no Vale do Jordão, Aida (nome fictício) vivia tranquilamente com o seu pai e os seus cinco irmãos. No terreno árido à roda da aldeia os seus rebanhos conseguiam alimentar-se e permitia-lhe ter “uma vida boa”, segundo conta a jovem na reportagem publicada pelo Conselho Mundial das Igrejas.

Tudo mudou em 2021. Colonos israelitas instalaram os seus rebanhos numa área confiscada para, supostamente, servir de local de treino militar. Mas rapidamente, protegidos pelo exército, chegaram à Muarrajat. “Traziam os rebanhos deles mesmo para perto da minha casa e impediam-nos de levar as nossas ovelhas a pastar”, lembra Aida.

Nos anos seguintes a violência foi sempre em crescendo: “Os colonos vinham às nossas casas com os rostos cobertos, abriam as portas dos estábulos, levavam as nossas ovelhas, traziam as ovelhas deles para comer a ração dos nossos animais e acusavam-nos diante da polícia israelita de roubar as suas ovelhas. A polícia nunca fez nada para nos ajudar.”

No início de 2024, os colonos invadiram a aldeia. “Alguns dos colonos usavam uniformes do exército israelitas e sitiaram as casas.” Um colono espancou o seu pai “com uma arma” enquanto outros “ameaçaram disparar contra toda a família”. Depois disso, “ocuparam a casa de um vizinho e insistiram para que a família deixasse a área.” Aida documentou tudo o que se passou nessa noite em vídeo. Para acabar, “os colonos, sob a proteção de soldados, levaram com eles as ovelhas do vizinho”.

No dia 3 de julho, durante a noite, “aproximadamente 30 colonos chegaram de novo à aldeia com suas ovelhas e montaram estábulos para os seus animais. Entraram na escola e destruíram tudo o que nela havia”. Depois, espancaram as pessoas com paus e ocuparam a aldeia, “impediram o acesso aos poços de água e destruíram os painéis solares que nos forneciam eletricidade”, conta a jovem palestiniana que se recorda de terem pedido “ajuda à polícia israelita e ao escritório de ligação, mas ninguém veio socorrer-nos”.

“As pessoas partiram em pânico, levando as ovelhas consigo, mas deixando a maior parte dos seus pertences para trás. Fugiram nos seus carros, em lágrimas pela sua aldeia e pelas suas memórias. Foi uma cena terrível”, recorda Aida: “Talvez 200 pessoas tenham ficado lá, mas a maioria fugiu com medo dos colonos.”

“Os soldados israelitas que estavam presentes não fizeram nada para nos proteger”, relata Aida. “Pelo contrário, fecharam os postos de fiscalização e impediram a chegada de ajuda.” “Agora, as pessoas vivem numa área conhecida como terra de Al-Awsaj onde não há nada: não há eletricidade, água, serviços médicos ou escolas. Vivem em tendas. E suportam os 40 graus celsius que, durante o verão, são a temperatura habitual no Vale do Jordão.”

Texto redigido por Jorge Wemans/jornal 7Margens, ao abrigo da parceria com a Fátima Missionária.