Após um ataque, palestiniano chora a morte de uma criança no Hospital Nasser, no sul da Faixa de Gaza, em novembro de 2023 | Foto: Lusa

Ao mesmo tempo que cresce o número de palestinianos assassinados quando, movidos pela fome, se deslocam para os escassos pontos de distribuição de ajuda alimentar, na Faixa de Gaza, o jornal israelita Haaretz conclui, em resultado de investigações próprias, que soldados de Israel receberam ordens para disparar sobre civis.

O jornal, que é crítico da orientação do atual poder político do seu país, conseguiu depoimentos de soldados que comprovam que as mortes perto dos centros da Fundação Humanitária de Gaza (FHG) estão longe de ser acidentais. “Os massacres ocorrem por ordens deliberadas dos comandantes israelitas”, avançou o diário, na última sexta feira, 27 de junho.

A FHG é uma organização dos Estados Unidos da América reconhecida pelo governo de Netanyahu, que veio substituir os serviços das Nações Unidas no terreno, ainda que com um número de pontos de distribuição muito menor: quatro contra as várias centenas que, em condições normais, costumam estar ativos.

“É um campo de extermínio. Onde eu estava alocado, de uma a cinco pessoas eram mortas todos os dias. Eles são tratados como uma força hostil”, confessa um dos soldados ao repórter do Haaretz, acrescentando que não há operações de controlo de multidões nem gás lacrimogéneo, “apenas fogo real com tudo o que se possa imaginar: metralhadoras pesadas, lançadores de granadas, morteiros. Os tiros param quando o centro de distribuição é aberto”.

“A nossa forma de comunicação é o fogo. Abrimos fogo de manhã cedo, se alguém tenta alinhar-se a algumas centenas de metros de distância, e às vezes atacamo-los de perto, sem que haja perigo para nós. Não conheço um único caso de fogo de retorno. Não há inimigo, não há armas”, denuncia um outro membro das Forças de Defesa de Israel (IDF).

Segundo relata o jornal, oficiais e reservistas falam de ordens claras de atirar para dispersar, já que “matar não é problema, mesmo que a multidão não represente uma ameaça”. “Gaza já não interessa a ninguém”, diz outro soldado. “Tornou-se um lugar com as suas próprias regras.  A perda de vidas humanas não significa nada”.

Um funcionário citado no trabalho jornalístico admite poder haver agentes do Hamas entre a multidão que pretende conseguir alimento, mas reconhece que “disparar morteiros para manter os famintos afastados não é profissional nem humano”.

Destas operações, que decorrem de manhã cedo, antes do romper do dia, tinham sido apuradas, segundo o Ministério da Saúde de Gaza citado pela agência italiana DIRE, 549 pessoas mortas e mais de 4.000 feridos nas imediações dos centros de distribuição, desde 27 de maio último.

Segundo a mesma fonte, a Organização Mundial da Saúde tinha conseguido, pela primeira vez desde 2 de março, entregar material médico através de nove camiões, aos quais foram adicionadas duas mil unidades de sangue e 1.500 unidades de plasma. O anúncio foi feito no dia anterior, 26 de junho, pelo diretor geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, o qual referiu, num post na rede X, que a operação foi possível “graças à colaboração com o Ministério da Saúde de Gaza e a ONU”.

“Os fornecimentos foram transportados através de Kerem Shalom (na fronteira entre o Egito e a Faixa de Gaza) sem que se tenha registado qualquer saque, apesar das condições de alto risco ao longo do caminho”, acrescentou Ghebreyesus.

Texto redigido por 7Margens/Agência Ecclesia, ao abrigo da parceria com a Fátima Missionária.