“Ouvimos a explosão e viemos a correr, todos à procura dos filhos. Eu achei o meu filho Farj caído no meio do relvado. Aconteceu o que aconteceu e não quero falar mais, porque é muita dor. Perdemos 12 estrelas, e espero que sejam as estrelas da paz no Médio Oriente”, conta Lythe Abu Saleh, cujo filho de 16 anos foi uma das vítimas do rocket do Hezbollah que a 27 de julho do ano passado matou um grupo de crianças que jogavam futebol na aldeia drusa de Majdal Shams, nos Montes Golã. Na época, num momento quente da guerra entre Israel e o movimento armado que diz representar os muçulmanos xiitas do Líbano, o Hezbollah negou o ataque, sublinhando que o seu alvo são os israelitas e que Majdal Shams é território sírio, ocupado desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967.

Lythe Abu Saleh está junto ao pequeno campo de futebol que foi palco do massacre no verão de 2024 e no qual um cartaz mostra as fotografias, os nomes e as idades das 12 crianças mortas. Diz lamentar que haja tanta guerra no Médio Oriente. Apesar da sua língua materna ser o árabe, fala em hebraico, que depois é traduzido para português por uma jornalista israelita que acompanha um grupo de repórteres. Está totalmente vestido de preto, e tem um fio dourado com um medalhão com o retrato de Fajr. Outros dois pais de luto juntam-se à conversa. São Rabea Abu Saleh, cujo filho Ameer tinha a idade de Fajr. E Naef Abu Saleh, pai de Yazan, de 11 anos. O nome em comum não é coincidência. São todos primos. Foi uma tragédia sentida por toda a comunidade de Majdal Shams, onde vivem algumas famílias cristãs.

Na aldeia faz-se um esforço para regressar à normalidade, esperando que o cessar-fogo se mantenha. Há crianças a jogar futebol, quase todos rapazes, mas também uma rapariga, que veste de amarelo com o nome Ronaldo nas costas. É a camisola do clube saudita onde joga agora o futebolista português.

Conquistados em 1967, na terceira guerra israelo-árabe, os Montes Golã têm um grande valor estratégico para a defesa do Norte de Israel e por isso foram anexados em 1981. Fiéis à tradição de lealdade ao Estado, os drusos dos Golã preferiram manter a nacionalidade síria, mesmo tendo documentos que lhes permitem viajar por Israel e ter acesso aos serviços públicos do Estado Judaico, como a educação e a saúde. Nos últimos anos, porém, começou a haver múltiplos casos de pedido de passaporte israelita, muito por causa da guerra civil na Síria, em que a recente vitória dos grupos jihadistas não agradou a este povo seguidor de uma religião que há muito rompeu com o Islão. A solidariedade da sociedade israelita depois do ataque do Hezbollah (que combate em solidariedade com a causa palestiniana), ajudou a acelerar esse movimento de integração em Israel. “A minha mulher e filhos têm passaporte israelita, eu não”, diz um dos pais enlutados de Majdal Shams.

Dos 29 mil drusos dos Golã, um quinto já aceitou a cidadania. É uma escolha cada vez mais vista como pessoal e não comunitária. E traz vantagens óbvias, pois Israel oferece possibilidades que a nova Síria é incapaz de oferecer, tão destruída que está por mais de uma década de guerra civil, e com as minorias religiosas cheias de medo do futuro. Massacres recentes da comunidade alauita, uma seita do Islão xiita a que pertencia o ditador Bashar Al-Assad, reforçou esses receios, inclusive entre os cristãos e os drusos da Síria.

Cerca de um milhão espalhados pelas zonas montanhosas de Israel, Síria e Líbano, os drusos são um povo que segue uma religião monoteísta nascida há mil anos e que de início era uma corrente do Islão xiita. Em Israel, incluindo os que habitam os Golã, são cerca de 150 mil e têm uma relação de aliança com a maioria judaica que vem desde a Guerra de Independência de Israel. Quando em 1948 os exércitos árabes atacaram o recém-criado Estado de Israel, depois de recusada uma partilha da Palestina histórica entre judeus e árabes, os líderes drusos optaram pela lealdade ao novo país. E desde 1956, a pedido do então líder espiritual druso, Amin Tarif, os homens da comunidade passaram a prestar serviço militar obrigatório, ao contrário dos outros árabes israelitas, sejam eles muçulmanos ou cristãos.

Os árabes israelitas, cerca de 20 por cento dos dez milhões de israelitas, descendem em regra dos palestinianos que não fugiram durante a guerra de 1948. Muitos identificam-se ainda como palestinianos, e sentem-se próximos dos habitantes de Gaza e da Cisjordânia, que continuam à espera de ter um Estado.

Os drusos israelitas combatem atualmente na guerra contra o Hamas em Gaza, e ao longo dos anos alguns membros da comunidade chegaram até a generais, mas também têm sucesso noutras áreas, como a diplomacia. Um diplomata que esteve colocado há uns anos em Portugal é hoje embaixador de Israel num país da América Latina.

O povo druso destaca-se pela qualidade como soldados, resultado de muitos anos a resistir à maioria muçulmana sunita, como os sultões turcos que dominaram a região até ao início do século XX. Viverem em montanhas, como o Carmelo e as das Galileia, o Monte Líbano ou Djebel Druze, também tem que ver com a necessidade de evitar perseguições ao longo de séculos. É impossível uma conversão ao drusismo e alguns aspetos da crença são rodeados de secretismo, mas é sabido que acreditam na reencarnação.

A atual fase do conflito entre Israel e o Hamas, em Gaza, e Israel e o Hezbollah, no Líbano, iniciou-se a 7 de outubro de 2023, quando o movimento palestiniano fez uma operação terrorista de larga escala no Sul de Israel. Morreram mais de mil israelitas e outros 200 foram raptados. Israel reagiu invadindo Gaza, e o Hezbollah começou a bombardear o Norte de Israel em apoio do Hamas.

Texto: Leonídio Paulo Ferreira, jornalista do DN