Mais uma vez é a gente pobre dos subúrbios de Maputo que morre e sofre. a incúria dos governantes é responsável por uma tragédia repetida. às três será de vez?
Mais uma vez é a gente pobre dos subúrbios de Maputo que morre e sofre. a incúria dos governantes é responsável por uma tragédia repetida. às três será de vez?Quinta-feira, 22 de Março, pelas 16h30, em Maputo, os vidros e as portas da capela da Casa Regional dos Missionários da Consolata, a 10 quilómetros do bairro periférico de Malhazin, abanaram com violência e estrondo. Pensei num terramoto. Corri para a rua. as pessoas explicaram-me que o paiol estava a explodir. Só que desta vez era uma coisa muito séria. as explosões repetiam-se com muita frequência, umas mais fortes outras menos.
as pessoas encontravam-se nas suas casas ou nos quintais, paredes meias com o paiol e, de repente, começaram a chover do céu bombas, projécteis de obuses e artilharia vária. Uns rebentavam no ar e os estilhaços espalhavam-se por ali à volta. Outros, seguindo trajectórias desordenadas, iam rebentar a quilómetros de distância. Tenho comigo o estilhaço dum projéctil que mede 35 centímetros de comprimento, 12 de largura e mais de meio centímetro de espessura. Pesa quilo e meio e caíu em Laulane a cerca de dois quilómetros do paiol. ali bem perto, uma familia inteira de nove pessoas ficou enterrada nos escombros da sua casa destruída por um projéctil.
Numa grande correria, toda a gente em condições de fugir abandonou a zona da tragédia e espalhou-se pelas ruas da cidade em direcção ao centro. O trânsito tornou-se caótico em toda a zona que é também a principal entrada na cidade vindo Norte. Bem depressa começaram a chegar as ambulâncias com feridos ao hospital central. as descrições do cenário do acontecimento fazem lembrar a pior das guerras. De uma guerra bem estranha se tratava.
as explosões duraram pela noite dentro. Às 21h30 ainda se ouviam estrondos com menor intensidade e mais espaçados. Na escuridão da noite via-se ao longe o grande clarão vermelho. Dele se desprendiam estilhaços de fogo que descrevendo grandes ogivas iam caindo, e espalhando o sofrimento e a morte.
Fazer um balanço das vítimas é tarefa muito difícil por enquanto. Há um esforço das autoridades para controlar a informação. O número de mortos refere-se somente aos que deram entrada nos hospitais e foram contados, até agora, perto de 100. Os feridos contabilizados oficialmente são cerca de 400. Estes números pecam certamente por defeito. O aeroporto esteve encerrado desde o início do acidente. a pista de aterragem prolonga-se até muito perto de Malhazine e nela caíram estilhaços e projécteis.
Em 1985 deu-se uma primeira explosão do paiol que, segundo fontes oficiais, causou 12 mortos e 83 feridos. Diz-se que foi de dimensões reduzidas, mas há que ter presente que, na situação politica de então, o impacto mediático era fácil de controlar. O paiol de Malhazine voltou a rebentar em Janeiro deste ano. a explosão foi de pequena entidade e teve pouca repercussão no resto da cidade.
O velho paiol vem do tempo colonial. Continha material obsoleto, à espera de ser inutilizado, a par de material de guerra em bom estado e em grande quantidade. Há quem fale em milhares de toneladas. À data da sua construção, o paiol encontrava-se fora da cidade, sem nenhuma população à volta. Sobretudo depois da independência, a cidade foi-se estendendo para aquele lado e o paiol encontra-se agora no centro de uma zona habitacional densamente povoada.
Como causa do acidente aponta-se o calor intenso que teria feito incendiar o material bélico obsoleto e depois o resto. Há quem fale também num curto-circuito. Toda a gente se pergunta porque é que depois de duas explosões, uma das quais muito recente, não se fez nada para tirar o paiol daquele sítio ou dotá-lo de condições de segurança. Não há resposta satisfatória até agora. Diz-se apenas que está em estudo um projecto para mudar o paiol para outro lugar.