Os escritos do sacerdote Jon Sobrino mereceram do Vaticano o reparo que apresentam «notáveis discrepâncias com a fé da Igreja». Marcelo Barros dá o seu testemunho sofrido e solidário
Os escritos do sacerdote Jon Sobrino mereceram do Vaticano o reparo que apresentam «notáveis discrepâncias com a fé da Igreja». Marcelo Barros dá o seu testemunho sofrido e solidário Desde criança aprendi que a Quaresma é tempo de nos reconhecermos pecadores e exercermos a solidariedade. Este pensamento me vem mais profundamente à mente neste dia em que soube que, à lista dos mais de 450 teólogos condenados pelo Vaticano desde o início do pontificado de João Paulo II, o atual papa acrescentou mais um: Jon Sobrino, teólogo que foi assessor de Dom Oscar Romero até o martírio deste e, em 1989, não morreu junto com Ignácio Ellacuría e os outros martirizados na UC a porque, por acaso, naquela ocasião, tinha viajado à África.
Tomara que os executores deste assassinato não interpretem esta atual condenação do Vaticano a Jon Sobrino como uma confirmação de que, no fundo, aqueles jesuítas eram mesmo mais subversivos do que cristãos e não contavam com a solidariedade nem dos seus irmãos católicos. Pior ainda, podem pensar que o padre Jon Sobrino, vivo por acidente, afinal, é condenado até pela hierarquia de sua própria Igreja. Em El Salvador, a condenação ao teólogo que assessorou Romero pode explicitar que o Vaticano assume o fato de pensar de forma totalmente contrária a São Romero das américas, cujo aniversario do martírio recordaremos nestes dias. Para muitos de nós, latino-americanos, esta condenação tem quase o sentido de um segundo assassinato dos mártires de El Salvador.
Jon Sobrino é culpado de ser um teólogo profundamente espiritual, inserido na caminhada dos pobres da américa Latina. Ele nos ensina a seguir Jesus Cristo, pobre e servidor, testemunha do reino de Deus a ser encontrado nos povos que, hoje, no mundo, vivem crucificados, vítimas do Império, como Jesus. Sobrino nos propõe como caminho espiritual o Princípio Misericórdia não como atitude eventual, mas como princípio unificador da vida.
Neste momento, sofro com a injustiça sofrida pelo irmão, mas sofro mais ainda porque puniram um companheiro que, no fundo, não cumpre o seu ministério de forma isolada e como livre atirador. Tudo o que ele faz e ensina é como membro de um grupo latino-americano ao qual tenho a graça imensa de pertencer. Não posso me comparar a ele, nem como teólogo, menos ainda como mestre espiritual. Mas, certamente, sou ao menos culpado dos mesmos pecados. Não me parece justo ficar calado e deixar que o irmão seja condenado sozinho. Ele não é o único que, para pensar e escrever, tenta manter uma liberdade pessoal, sem a qual a teologia se torna mera repetição acadêmica de fórmulas já gastas. Também reflito sobre a pessoa de Jesus Cristo procurando uni-lo mais à humanidade, resgatar seus traços humanos nos Evangelhos e libertá-lo da camisa de força de dogmas formulados pelos concílios presididos pelo imperador romano. Se eu me apresento, quem sabe, outros também criem coragem de seguir Jesus no caminho da entrega de si mesmos e o Vaticano descubra que os hereges são muito mais numerosos?
afinal, somos todos pecadores .