“El Salvador é um país cheio de beleza”, afirmou em meados de janeiro de 2023 o presidente Nayib Bukele num vídeo gravado onde causou surpresa ao anunciar que o pequeno país centro-americano vai organizar no final deste ano o concurso Miss Universo. “Temos as melhores praias de surf do mundo, vulcões magníficos, café delicioso e agora passámos a ser o país mais seguro da América Latina”, acrescentou o jovem líder, reivindicando, além das belezas naturais, a nova paz nas ruas conseguida graças a uma política maciça de detenção de criminosos tão aplaudida por uns como criticada por outros. A organização do concurso, sendo uma forma de promover El Salvador internacionalmente, é também sinal de que Bukele está seguro do êxito da sua política criminal, que pôs fim a uma das mais altas taxas de homicídio do mundo. “Gostaria de agradecer à Organização Miss Universo por se juntar a nós neste processo histórico. El Salvador está a mudar e queremos que vocês venham e vejam com seus próprios olhos”, sublinhou o presidente, eleito em 2019 pelo partido centrista Nuevas Ideas, mas com apoio da direita.

Bukele, agora com 41 anos, pertence à comunidade árabe, descendente de imigrantes do Médio Oriente na passagem do século XIX para o XX e que por viajarem com passaporte do Império Otomano são conhecidos em toda a América Latina como “turcos”. Diz ser católico, mesmo que alguns membros da família se tenham convertido ao Islão, facto que os seus adversários tentaram usar durante a campanha eleitoral para as presidenciais para o fragilizar. Casado com a psicóloga e antiga bailarina Gabriela Rodriguez, é pai de uma menina, que foi batizada de Layka, um nome árabe. Segundo disse Bukele numa visita há uns anos a Israel, um dos avôs da mulher era judeu.

Mas se a questão religiosa pode pesar na altura do voto num país tradicionalmente católico como El Salvador, antiga colónia espanhola emancipada há 200 anos, a verdade é que do ponto de vista eleitoral Bukele tem sido sempre um ganhador. Centrista capaz de cativar a direita para chegar à presidência, começou, porém, a carreira política como autarca da Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional (partido de esquerda que tem o nome de um líder comunista de há um século), nascido da guerrilha que lutou na guerra civil dos anos 1980 (que só acabou em 1992), quando o país era governado por um governo de direita apoiado pelos militares e sem quaisquer preocupações sociais. Na época, também figuras da Igreja Católica salvadorenha se manifestaram contra o desprezo pelos mais pobres e ficou célebre o monsenhor Óscar Romero, arcebispo de San Salvador, a capital, assassinado em 1980, num crime ligado à defesa dos direitos humanos e que pôs na época El Salvador no centro das atenções mundiais. Bukele, quando era presidente da câmara de San Salvador participou no Vaticano, juntamente com o Papa Francisco, no processo de beatificação e depois canonização de Romero e considerou ser tal de grande importância para os salvadorenhos.

El Salvador, com 6,5 milhões de habitantes, é um dos países mais densamente povoados das Américas, pois tem apenas o equivalente a um quinto da área de Portugal. A história fez também do país o único da América Central banhado apenas pelo Oceano Pacífico, não tendo, portanto, costa nas Caraíbas. El Salvador tem uma população maioritariamente mestiça ou descendente de europeus, com os indígenas a serem uma ínfima minoria, o que contrasta muito com outros países da região, onde há um grande fosso social com explicações étnicas.

No caso de El Salvador, apesar de um nível de desenvolvimento médio e de uma economia diversificada, as grandes desigualdades sociais existem mas não baseadas num fosso entre europeus e indígenas. Essas desigualdades facilitam o recrutamento de jovens pelos bandos criminosos, as famosas maras (gíria local para gangue ou bando), a mais famosa das quais é a Mara Salvatrucha 13, envolvida em todo o tipo de crimes, incluindo tráfico de droga. Originalmente, as maras resultaram da extradição pelos Estados Unidos da América de jovens criminosos de origem salvadorenha sem nacionalidade americana. A sua violência é tremenda, feita por criminosos famosos por cobrirem o corpo de tatuagens agressivas. El Salvador chegou a ter antes da eleição de Bukele uma taxa de homicídio de 83 por 100 mil habitantes, quando na África do Sul era de 34, no Brasil 30, no México 19 e nos Estados Unidos da América cinco, só para comparar com outros países tradicionalmente com fama de insegurança. Em Portugal é de um por 100 mil habitantes.

Visitar El Salvador, apesar da beleza da paisagem vulcânica, era visto como muito perigoso e portanto as divisas do turismo não chegavam nas quantidades desejadas, comparando com outros países da região, como México, Cuba, República Dominicana ou Costa Rica. Bukele, agora que passou a pandemia da covid-19, quer mudar esse panorama, daí a importância do concurso Miss Universo, que dará visibilidade global ao país, enviando uma desejada mensagem de país seguro a visitar.

Quem está otimista com o sucesso das políticas governamentais é a embaixadora Rhina Bardi, que veio para Portugal há poucos meses inaugurar a representação diplomática salvadorenha em Lisboa, também parte da estratégia de reforçar a presença global do país: “Pela primeira vez em muitos anos, os salvadorenhos desfrutam de verdadeira paz nas suas comunidades, locais de trabalho e em várias áreas do país que antes eram impossíveis de transitar com tranquilidade. Esse esforço foi graças às políticas públicas na área de segurança promovidas pelo governo do presidente Nayib Bukele. Todas as medidas implementadas em favor da população têm amplo apoio popular. Da mesma forma, o Governo tem criado mais iniciativas nas áreas da educação, saúde, e economia, entre outras. Isso também permitiu projetar–nos internacionalmente através do turismo e dos negócios”, diz a embaixadora, fluente em português.

Além do reforço da segurança pública, devido à dureza da repressão contra as maras (que passou por um aumento das detenções e até construção de novas cadeias para uma população prisional crescente), o turismo tem beneficiado também da notoriedade de El Salvador ter desde 2021 proclamado a bitcoin (criptomoeda) como utilizável e cambiável a par do dólar dos Estados Unidos da América.

Contudo, o desenvolvimento continua a ser um desafio para o pequeno país centro-americano. Apesar de ter melhorado ligeiramente a sua avaliação no índice de desenvolvimento humano das Nações Unidas (um dos casos raros na América Latina onde tal aconteceu durante a pandemia), El Salvador ainda só é considerado um país de desenvolvimento médio, ficando atrás de nações da região como a Costa Rica e o Panamá, ambos de desenvolvimento muito elevado.

Com avaliações contraditórias a nível internacional pela política de segurança, uns aplaudindo a redução da criminalidade e outros apontando os abusos policiais, o presidente parece, para já, ter grande taxa de aprovação interna, mais de 85 por cento, o que lhe deve garantir uma reeleição fácil em 2024 (o jornal La Prensa Gráfica atribuía-lhe há alguns dias 70 por cento de intenção de voto). No resto da América Latina não faltam políticos interessados em estudar a sua estratégia anticrime, sendo que Bukele começou primeiro por ganhar prestígio entre os países vizinhos pela sua bem-sucedida ação sanitária durante a pandemia.

Ainda por se perceber o alcance total das suas políticas, e acusado de acordos secretos com algumas maras, a verdade é que o mandato de Bukele tem como momento-chave os três dias (25, 26 e 27) de março de 2022 em que a Mara Salvatrucha 13, ou MS13, assassinou 87 pessoas, num claro desafio às autoridades. Foi quando o parlamento apoiou o Estado de exceção (renovado mensalmente), dando possibilidade de deter 30 mil pessoas sem mandato judicial, o que gerou críticas de organizações como a Human Rights Watch.

“A fórmula de Bukele talvez não se sustente em sociedades onde há mais democracia e análise de políticas públicas, mas, em alguns lugares, o desespero por causa da criminalidade empurra a própria população a pedir aos governantes que tomem esse tipo de medida”, declarou Abraham Abrego, diretor da ONG salvadorenha Cristosal, citado pelo jornal brasileiro Folha de São Paulo. Resta saber se os ganhos securitários de El Salvador são para durar e se com a economia a crescer e mais políticas sociais, os jovens deixam de ser presa fácil para recrutamento pelas maras, como acontecia num passado bem recente, e se os receios de fragilização da democracia salvadorenha (o jornal El Faro mudou a sede para a Costa Rica em protesto contra as autoridades) não se confirmam.

Texto: Leonídio Paulo Ferreira, jornalista do DN