Dos 1,8 milhões de guineenses apenas um décimo será cristão, na sua grande maioria católicos
Dos 1,8 milhões de guineenses apenas um décimo será cristão, na sua grande maioria católicos a cidade chegou a ser capital da Guiné colonial, mas hoje está decadente. Uma estátua relembra que foi um presidente americano que decidiu no século XIX que a ilha de Bolama (o mesmo nome da cidade) pertencia aos portugueses e não aos britânicos. Um sacerdote católico serviu de guia àquela que é também a paróquia de São José, fundada em 1871. a Igreja de São José, recém-pintada de cor de rosa, é dos poucos urbanística que escapam à degradação que atingiu nas últimas décadas Bolama, a cidade que foi capital da Guiné portuguesa de 1879 até a administração colonial ser transferida para Bissau em 1941. É uma pena todos estes urbanística tão bonitos estarem em ruínas, completamente esquecidos, lamenta-se o padre abraão, que conheci por acaso, quando o barco em que viajei até à ilha de Bolama aportou. O sacerdote estava no cais, à espera de uma possível ligação para Bissau, e ofereceu-se para me guiar sem pressa pela cidade, começando por mostrar o antigo palácio do governador, ali mesmo à beira-mar, e o monumento erigido pela Itália que hoje homenageia os pilotos que morreram em Bolama em 1931 quando o seu hidroavião integrava uma frota que participava numa viagem ao Brasil ainda no tempo das heróicas travessias aéreas do atlântico Sul, em que os portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral foram os grandes pioneiros em 1922, mas via Cabo Verde, sem escala na Guiné. Batizado como abraão ambessum Sambu, o padre nasceu a 19 de abril de 1963 em Susana, no Norte da Guiné, já perto da fronteira com o Senegal. É da etnia felupe, que se divide entre católicos e animistas. Fazemos parte de um grupo étnico que existe também fora da Guiné, como é o caso do Senegal, e que é conhecido pelo nome de diolas, explica num excelente português que fala pausadamente. Fico a saber que é um poliglota, pois além da língua materna, o felupe ou diola, fala wolof, idioma importante na África Ocidental, francês e italiano e ainda, claro, português, que começou por aprender nas escolas coloniais pois tinha 11 anos quando Portugal reconheceu a independência da Guiné em setembro de 1974 (um ano antes, os guerrilheiros do PaIGC tinham já proclamado o novo país, mas controlando só uma pequena parte do território de cerca de 36 mil quilómetros quadrados). O italiano aprendeu em Roma, fico a saber, e não através de missionários em serviço na Guiné como cheguei a supor. Estive lá três anos. Fiz lá a minha aprendizagem espiritual, conta o padre abraão à medida que caminhamos pelas ruas sem asfalto de Bolama, a cidade. Passamos por mulheres com vestidos coloridos que vendem mangas (excelentes) e cajus (o principal produto de exportação guineense) e por crianças que de mochila às costas saem da escola. Várias delas usam camisolas brancas do Real Madrid, quase sempre nas costas com o número sete e o nome de Cristiano Ronaldo. É o melhor do mundo, diz-me Ivan, um miúdo de uns sete anos que joga à bola com os amigos. Também se veem camisolas do Benfica e do Sporting. Não vi aqui nenhuma do FC Porto, mas em Bissau, sim. Fui ordenado padre em Susana a 7 de julho de 1994, conta o meu anfitrião de luxo. Fico também a saber que já visitou Portugal duas vezes, num caso para um casamento, noutro para uma peregrinação a Fátima. Gostei muito. Foi em fevereiro de 1998. Permaneci uma semana. Ofereceram-me um CD de canto gregoriano muito belo, relembra o padre abraão. Depois de subirmos uma rua enlameada (choveu na noite anterior) em que se percebe por uma velha tabuleta ter havido um cinema, estamos por fim na principal praça de Bolama. , antigamente chamada Teixeira Pinto, nome de militar português. Dizem que é não só a maior da Guiné como uma das maiores do mundo. a estátua original de Ulysses S. Grant, em bronze, que ali havia desapareceu. Ninguém sabe onde está. Contaram-me que estava na fortaleza do Cacheu, mas estive lá e não a vi. Havia sim outras estátuas, como a de Nuno Tristão ou a de Diogo Cão. O padre conta que apesar de os portugueses andarem pela Guiné desde o século XV, os britânicos, lançados no século XIX na conquista de um império africano, cobiçavam Bolama como sua. Porém, uma arbitragem internacional liderada pelo antigo general nortista, eleito entretanto Presidente dos Estados Unidos da américa, deu razão a Portugal, aceitando como válidos os argumentos de antiguidade e de laços com o povo da ilha. Isto aconteceu em 1870. Ora, na Guiné de hoje, e em especial em Bolama, sabe-se que graças a Grant aquela parcela tão especial do país não ficou a ser um enclave anglófono. E foi agradecido que um artista local, estudando Ulysses Grant por imagens, fez a atual estátua em cimento, diz o padre abraão. Talvez não seja logo reconhecível o general unionista que em appomattox recebeu a rendição do confederado Robert E. Lee mas é sem dúvida ele visto e esculpido por olhos e mãos africanas. Faço uma pausa para beber algo fresco, pois o dia está quente e húmido, e descubro que o padre abraão evita cafés ou tabernas. Prefere ficar à conversa com uns fiéis. Bebo um cerveja Cristal e compro uma garrafa de água Penacova para a viagem de barco até Bissau. Marcas portuguesas como é comum na Guiné, país muito prejudicado em termos de imagem pelos ocasionais golpes militares mas com um povo pacífico que gosta de Portugal e dos portugueses, apesar de na guerra colonial o PaIGC ter mostrado uma garra reconhecida até hoje por todos. O café chama-se Gãmuria e atrás do balcão está Júlio Ká, irmão de Zinho, o escultor. Não está hoje cá, diz-me o irmão e fico com pena pois gostava de ouvir o que o levou a dar segundo corpo em Bolama ao Presidente Grant. De volta à rua reencontro o padre abraão. Mostra-me agora o mercado central, onde se vende de quase tudo. Continuamos a conversar e digo que, além de jornalista no DN, há 20 anos que escrevo reportagens para a Fátima Missionária. Olha para mim incrédulo. E depois, entusiasmado, bate palmas de felicidade. Eu costumo ler a revista. Gosto muito. Parabéns. Falamos um pouco de religião, pois estamos num país onde o catolicismo é influente mas minoritário frente a muçulmanos e animistas. as duas maiores etnias, os fulas e os balantas, representam um quarto da população aproximadamente. a primeira é muçulmana, a segundo animista em regra. São José, aqui, em Bolama é paróquia desde 1871, conta o padre. Estamos de volta ao cais. E ofereço boleia ao sacerdote até Bissau no barco em que viajo (toda a viagem à Guiné foi a convite da Euroatlantic, companhia aérea que liga Lisboa a Bissau). O padre abraão agradece e diz que com ele tem de ir o catequista Rufino antónio, de 20 anos. a dupla vai a Bissau para dali apanhar embarcação para a Ilha das Galinhas, nas Bijagós. Há lá muitos cristãos?, pergunto, já a bordo, ao catequista. Diz-me que graças a Deus, sim.